Sportswashing: o marketing imoral

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Opinião

Sportswashing: o marketing imoral

Esporte tem sido utilizado por ditadores e líderes de regimes pouco democráticos para mudar suas imagens


20 de junho de 2022 - 16h00

Nós marqueteiros fomos treinados para criar e promover marcas de bens e serviços que ofereçam aos consumidores conveniência, acesso e soluções a problemas que muitas vezes eles ainda não sabem que existem. Graças ao talento de tantos nessa indústria, criamos oportunidades, negócios e riqueza que fazem as empresas e o país crescerem.
Mas há uma forma de marketing cada vez mais usada que poucos estudam e praticam: o marketing de um país ou região. Aqui, o cliente é, em geral, o governo federal do próprio país. Com o objetivo de criar uma identidade capaz de atrair mais negócios e turistas, eles investem para promover sua marca no exterior com grandes campanhas de publicidade.

Em 2015, fui convidado para um processo de seleção de um CMO para o Emirado de Dubai. Sem entender bem o que queriam, mas intrigado com a proposta, embarquei em um voo da Emirates para os Emirados Árabes Unidos e as entrevistas.

A função fazia parte da Dubai Tourism e seu papel era promover a cidade e suas atrações, fomentar o turismo e gerar novos negócios. Isso acontecia em colaboração com outros órgãos do governo e empresas privadas interessadas em investir na cidade.

Naquele ano, Dubai já era a quarta colocada no ranking mundial de turismo com 14,2 milhões de visitantes. Uma cidade 40 vezes menor que São Paulo recebia sozinha mais que o dobro dos turistas de todo o Brasil. Sua ambição era ultrapassar Paris, Bangkok e Londres, tornando- se a mais visitada do mundo.

Grande parte do sucesso de Dubai pode ser atribuída à parceria com a Emirates Airlines. Com uma estratégia agressiva de investimentos em comunicação e patrocínios esportivos, a Emirates tornou-se uma marca global em poucos anos e popularizou também a marca Dubai.

A Emirates foi a precursora da estratégia de intenso uso de patrocínios dentre as aéreas. As marcas “Emirates Airlines” e, depois, “Visit Dubai” podiam ser vistas em uniformes do Milan, na Itália, no estádio e nas camisas do Arsenal, na Inglaterra, no francês Paris Saint-Germain, no alemão Hamburgo, no português Benfica, e muitos outros. Sem os patrocínios, a Emirates-Dubai seria apenas mais uma cidade no meio de tantas outras.

Nos últimos anos, uma nova geração de países percebeu que poderia usar o esporte para mudar a percepção negativa de seus governos. Nascia o sportswashing, o uso do esporte como ferramenta para melhorar a reputação de países e governos. Ditadores e líderes de regimes pouco democráticos iniciaram investimentos bilionários para atrair eventos de forma constante e relevante: a China sediou Jogos Olímpicos em 2008 e 2022, a Rússia a Olimpíada de 2014 e a Copa do Mundo em 2018, e países como o Azerbaijão sediam etapas do circuito anual da Fórmula 1.
Mas o título mundial de sportswashing vai mesmo para a Arábia Saudita.

Poucos países têm reputação tão ruim quanto a Arábia Saudita, uma ditadura onde as mulheres são cidadãs de segunda categoria, minorias religiosas são desrespeitadas e ser LGBTQIA+ é crime, que resolveu tentar mudar sua imagem não com reformas sociais, mas via marketing e patrocínios.

Não será uma tarefa fácil. Por isso, o Fundo de Investimento Público saudita reservou US$ 60 bilhões ao projeto. Os investimentos — todos destinados ao esporte — começaram com a compra de ativos como o inglês Newcastle United, a criação de um circuito global de golfe chamado LIV Golf, e atração de grandes eventos de boxe e automobilismo.
Você acha esse um desafio de marketing impossível? Pense melhor. Se hoje olhamos Dubai — um regime com muitos problemas de abusos dos direitos humanos — com simpatia, por que não acabaremos achando a Arábia Saudita um lugar aceitável para uma conexão de voos ou mesmo para umas férias de inverno?

O marketing e o esporte podem ser usados de muitas formas, algumas para o bem, outras nem tanto. O sportswashing é imoral, mas cada vez mais comum. Como profissionais desse mercado, vale acompanharmos esses megaprojetos para entendermos como o uso do esporte para influenciar a percepção de marcas pode inspirar a forma com que vendemos nossos produtos e serviços.

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