Uma semana sem falar a palavra mindset

23 de setembro de 2019 - 13h51

Crédito: Atracurium/iStock

Na minha primeira viagem à Índia, tudo em volta insistia em me levar a olhar o mundo de uma maneira um pouco diferente. Da explosão dos sentidos pelos cheiros, cores, sabores e sons saturados, à viagem introspectiva da meditação, quase tudo era um desafio. A primeira ficha caiu no trânsito, quando li nos para-choques dos caminhões: “Por favor, buzine”. Estava em outro mundo.

Naquela ocasião, conheci um produtor de cinema de Bollywood que me contou sobre o processo criativo de uma indústria extremamente popular, que produz duas vezes mais do que a ocidental Hollywood, com recursos dezenas de vezes menores. O segredo, segundo ele, é o Jugaad, um jeito de dar jeito em tudo, de olhar os desafios como um mundo de novas possibilidades. Ele arrematou sua tese contando que todo o programa espacial indiano, cujo
objetivo final é pousar na Lua, tinha orçamento equivalente a um blockbuster espacial californiano. A mais recente missão custou metade do orçamento do filme Avatar. Com grandes acertos e revezes, como o frustrado pouso na Lua no início do mês, o programa segue conquistando importantes parcerias científicas.

Hollywood e Bollywood, dois mindsets diferentes. Ninguém precisa ir até a Lua para ver o mundo de um jeito renovado. Dá para fazer isso daqui mesmo e, quem sabe, criar alguma coisa relevante. Vamos tentar um exercício criativo, aplicando mudanças de mindset em série. Começando do zero.

Em vez de solucionar um problema, vamos começar procurando por oportunidades. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. Quando olhamos para possibilidades em vez de problemas, as maneiras de trazer uma ideia à vida se tornam infinitas. Pense numa coisa grande e favorável, por exemplo, rios urbanos cristalinos, a nova sociedade da floresta ou a regeneração humana. Simplesmente imagine o cenário por alguns minutos. Agora, projete uma experiência que torne a ideia tangível e talvez você tenha chegado em algo com potencial inovador. Segundo A Estratégia do Oceano Azul, olhar o cenário completo no lugar de focar num problema vai ajudar a ocupar lugares praticamente inexplorados e redefinir mercados.

Já temos uma ideia incrível, incomodando, pedindo para ser realizada. Que tal amplificá-la, aplicando um segundo filtro de mentalidade? Vamos verificar quanto o conceito de singularidade pode impactar essa ideia: como ela pode construir seu caminho com tecnologias de inteligência superior à humana? Começando por algoritmos que tomem decisões pelas pessoas, enriquecendo a experiência, como a total automatização inteligente vai transformá-la em algo muito mais poderoso? Podemos criar a semente de um negócio bilionário. O Softbank, fundo financiador de unicórnios, tem US$ 5 bilhões destinados à América Latina. Só estão interessados em empresas que ofereçam potencial para o desenvolvimento de inteligência artificial, pilar da singularidade.

Agora vamos virar o jogo e passar a ideia original por um novo filtro, que vai no caminho oposto ao da singularidade. No último capítulo de 21 Lições para o Século 21, Yuval Harari, mesmo autor de Sapiens, afirma que logo será impossível as pessoas observarem a realidade por si mesmas. Propõe foco no autoconhecimento como contraponto à substituição da consciência por algoritmos. Uma proposta desafiante — aquela ideia original pode evoluir olhando para dentro, alinhada com seus propósitos pessoais? Pode crescer sem IA, de uma forma essencialmente humana? O que muda no cenário original? Harari sabe que o desafio passa por assumir valores e responsabilidades, evitando a terceirização da ética. Vai além do crescimento potencial.

Mentalidades diferentes gerando ideias diferentes. Enquanto criamos mundos, abrimos negócios ou começamos uma revolução criativa, vale o exercício.