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Opinião

Vai para rua

Não há como compreender, analisar e projetar cenários a partir de motivações cujas premissas fundamentais desconhecemos e tampouco nos dispomos a investigar in loco


28 de novembro de 2016 - 11h11

Ilustração: Rosana Clemente

Ilustração: Rosana Clemente

Uma vez por mês, em seu espaço na seção Opinião, de Meio & Mensagem, nosso indefectível articulista André Kassu nos brinda com um texto rico em forma e conteúdo. Dentre os diversos assuntos que aborda, Kassu tem como um de seus objetos preferidos de análise o ambiente de trabalho das agências — tema que, com a elegância e sensibilidade habituais, ele aborda na coluna publicada na página 10 desta edição que você agora tem em mãos, caro leitor.

“Há como morrer aos poucos”, relata o observador perspicaz, sócio e chefe de criação da Crispin, Porter + Bogusky no Brasil. “Uma receita infalível é trabalhar sem prazer, fazendo de todos os dias uma eterna segunda-feira.”

Aplicando engenharia reversa à forte frase cunhada por Kassu, talvez nos defrontemos com o grande segredo na dinâmica dos mais dedicados e realizados profissionais, especialmente em áreas como a publicidade e o jornalismo: para essas pessoas, é como se a semana não tivesse nenhuma segunda-feira.

Pela natureza de suas atividades, publicitários e jornalistas destacados têm em comum o desejo peculiar por problemas a resolver. Eles gostam mesmo é de sarna para se coçar. Outra característica valorosa por vezes compartilhada: sentem-se infelizes quando trancafiados em redações e escritórios. Estão certos de que as respostas para o verdadeiro desafio de suas profissões não serão encontradas nos concorrentes nem no computador à frente, mas, sim, nas ruas e na verdade do dia a dia — onde moram a compreensão do que move a vida e tudo o mais que a motiva.

É como se pessoas com tal atitude adquirissem uma espécie de “seguro-realidade”, uma vacina contra a cegueira do convencimento de que o mundo pode ser entendido a partir do jeito que nós e nosso restrito círculo social pensamos. A vitória de Donald Trump no pleito presidencial dos Estados Unidos escancarou as mazelas da cobertura dedicada pela grande imprensa, que, anuviada pelo ambiente de Nova York, Washington e Califórnia, não conseguiu captar o real sentimento dos eleitores norte-americanos país afora.

A vitória de Donald Trump no pleito presidencial dos Estados Unidos escancarou as mazelas da cobertura dedicada pela grande imprensa, que, anuviada pelo ambiente de Nova York, Washington e Califórnia, não conseguiu captar o real sentimento dos eleitores norte-americanos país afora

Os mesmos riscos correm, diariamente, a mídia brasileira e nossas agências de publicidade, com suas equipes homogêneas, compostas por profissionais formados nas mesmas duas ou três universidades, oriundos das mesmas regiões e pertencentes a uma única classe social. Dessa maneira, sem empatia, não há como compreender, analisar e projetar cenários a partir de motivações que efervescem fora desses limites, cujas premissas fundamentais desconhecemos e tampouco nos dispomos a investigar in loco — a partir da miopia de que simplesmente não nos dizem respeito.

Assim, para apurar a reportagem sobre o legado nas favelas e comunidades desse Brasil pós-ascensão do consumo que tenta recolher os cacos da severa recessão instalada há dois anos, o repórter Luiz Gustavo Pacete não se limitou a conversar apenas com consultores e executivos de marketing.

Sempre acompanhado de sua irrequieta parceira de pautas, a fotógrafa Celina Filgueiras, ele foi a Paraisópolis,  na zona sul de São Paulo, e a Santa Marta, na zona sul do Rio de Janeiro, conferir as transformações perenes promovidas por uma década de empoderamento financeiro, cultural e tecnológico. A jornada da dupla inspirou a designer Rosana Clemente a ilustrar o resultado final desse trabalho, que você confere a partir da página 26 desta edição. Uma equipe com essa energia e disposição transforma qualquer segunda-feira em um domingo no parque.

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