DE 08 A 16 DE MARÇO DE 2024 | AUSTIN - EUA

SXSW

“Ser sustentável não é mais suficiente”

Tatiana Ponce, CMO da Natura, discute os desafios ligados a sustentabilidade e opina que a inteligência artificial pode ser útil ao marketing


13 de março de 2024 - 6h00

Nesta quarta-feira, 13, a Natura sedia o painel “Bioeconomia: prosperando na Floresta Amazônica”, com a diretora de sustentabilidade da empresa, Angela Pinhati, a ativista indígena Txai Suruí, que também coordena a Kanindé – Associação De Defesa Etnoambiental, e Colette Pichon Battle, advogada, ativista climática e organizadora de movimentos pela libertação negra. O intuito do painel é apresentar como o uso da biodiversidade, ciência, tecnologia e o conhecimento ancestral dos povos da floresta podem preservar e proteger a Amazônia.

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CMO da Natura&Co, Tatiana Ponce acredita que as marcas devem trocar mais conhecimentos em prol de um mundo mais sustentável (Crédito: Thaís Monteiro)

A empresa chegou apresentar o painel “Beleza como força de mudança” no evento em 2018. Tatiana Ponce, CMO da Natura&Co, divide que a companhia buscou inserir a marca na conversa ao notar a crescente relevância que o festival dá à sustentabilidade e às mudanças climáticas e, assim, compartilhar as iniciativas da Natura nesse sentido. Conforme a executiva, a Natura quer convocar mais pessoas para conversar, ensinar e compartilhar conhecimentos em prol da sustentabilidade.

“Não poderíamos ficar tímidos e não compartilhar com o mundo aquilo que eles podem fazer de melhor”, explica. “Queremos estar cada vez mais presentes em eventos que tenham relevância e potencial de reunir formadores de opinião e agentes de transformação. Entendemos que o perfil do SXSW é muito voltado a agentes de transformação, pessoas que impactam e geram tendências”, complementa.

Em entrevista ao Meio & Mensagem, a CMO reforça que quer incentivar a troca de conhecimento entre marcas. Para ela, a inteligência artificial também ajuda na missão de democratizar o conhecimento e visa usar a tecnologia para dedicar o tempo da equipe para mais causas sociais e fortalecer a conexão com o consumidor.

Meio & Mensagem – Por que decidiu comparecer ao evento este ano? Qual é a importância estratégica do SXSW para um CMO?

Tatiana Ponce – A ideia de vir vai ao encontro do que eu busco e busco para Natura que é estar em lugares onde existem fontes de informação e dados frescos que podem ajudar no nosso dia a dia. Frequentando outros eventos, ficou claro para mim que nem tudo que virmos será 100% novo, porque hoje a velocidade das informações é grande. Porém, cada palestra, troca e momento de interação vai gerando insights para necessidades da organização, liderança e do time. Há assuntos tratados de forma diferente e que levam para um mesmo lugar. É a primeira vez que eu venho. Aqui você pode beber de muitas fontes ao mesmo tempo: na música, em painéis sobre liderança, inteligência artificial e tendências. É como um acampamento em que você é alimentado de assuntos que vão te trazer energia e fôlego para o ano inteiro. O formato viabiliza a atualização de uma vez só otimizada.

M&M – O SXSW é um evento que debate inovação e tecnologia em diversas áreas. O que você vê de inovação no tema da sustentabilidade?

Tatiana – Para nós, estar aqui falando sobre nossa visão futura inaugura um novo capítulo de regeneração. Ser sustentável não é mais o suficiente. Ser vanguarda nesse assunto nos enche de alegria, mas também de responsabilidade. Por muitos anos, nós tentamos convidar o mundo a fazer melhor para o planeta. Como empresa, temos responsabilidade sob o impacto da vida das pessoas. Uma campanha que aprovamos, um novo produto, uma ideia, com a disseminação massiva do conteúdo, isso pode impactar positivamente ou negativamente a vida de pessoas, hábitos. A responsabilidade, que sempre foi grande, virou maior. Temos um grande poder de transformar e impactar positivamente a sociedade e o planeta. Não compartilhar por diferencial competitivo não é genuíno. Quando você tem o desejo de fazer a diferença, se eu não dividir, o meu esforço sozinho não vai mudar a realidade que temos hoje.

M&M – Você frisa a importância de criar conexões emocionais com consumidores. No evento, estão sendo pautadas o sentimento de desconexão, infelicidade e solidão. Isso torna essa conexão mais desafiadora? Como trabalhar com o marketing nesse contexto?

Tatiana – Eu acho que torna mais fácil. Talvez as pessoas não se dessem conta da necessidade de se conectar genuinamente com as pessoas e com uma marca. A pandemia traz uma lupa neste lugar. As pessoas de verdade se viram desconectadas. Em muitas pessoas, o extremo levou a problemas de saúde mental e algumas pessoas descobriram a importância de se conectar, a importância da casa, da família e dos amigos como rede de apoio. O desafio é como acessar corretamente essas questões, que hoje tomaram proporções maiores. Do ponto de vista de oportunidade, as pessoas agora têm o awareness do quanto se conectar é relevante. Muito se falou que toda evolução digital e as redes sociais iam afastar as pessoas uma das outras. Eu acredito no contrário. Tudo isso traz uma awareness muito maior do quanto devemos usar as redes sociais ou a própria evolução digital para melhorar as conexões. Ainda não achamos a medida do uso das redes sociais. Fomos para um excesso por um vício pelas telas. Precisamos, enquanto profissionais de marketing que influenciam 90% essas áreas, precisamos mostrar para as pessoas que existe vida fora das telas mais do que elas estão vivendo hoje. Minha expectativa e meu desejo é que a gente chegue no equilíbrio de saber usar a internet a favor das relações humanas e não o contrário. Na palestra da OpenAI, eu vi como a tecnologia pôde dar acesso e informação a quem não tinha essa porta de entrada. Temos que ter um papel de curador. Não podemos deixar de nos enriquecer da troca com o outro, porque assim vou fazer a curadoria do que a máquina pode fazer para eu ter tempo para ter boas discussões com humanos.

M&M – Em agosto do ano passado, a Africa criou o Bioma, núcleo dedicado a atender a operação digital da Natura. Qual é o balanço que faz desses meses em parceria com o Bioma?

Tatiana – Eu vejo uma evolução muito grande nos processos, na qualidade criativa do que vem vindo e também nas interfaces entre global, mercado e agência. O fato de ter um núcleo 100% dedicado à Natura acaba sendo núcleo especialista para nós, uma extensão da Natura com os mesmos valores, princípios, conhecimentos, ambições e isso nos aproxima muito. Esse alinhamento de missão e objetivo em um núcleo 100% dedicado tem feito o trabalho mais ágil e mais suave.

M&M – A Africa afirmou que utilizará inteligência artificial para o Bioma. Como a Natura vê o impacto da IA no marketing e na empresa, como um todo?

Tatiana – A inteligência artificial, para mim, é uma ponte, como uma catalisadora para eu chegar mais rápido em algum lugar. Como CMO, eu quero usar a inteligência artificial e todas as evoluções do mundo digital como catalisadores e como agilizadores das coisas que eu gostaria de trazer para o consumidor, do ponto de vista de sustentabilidade, de regeneração que eu possa olhar e falar: “Poxa, eu descobri isso aqui mais rápido. Antigamente, passaria um mês coletando esses dados, fazendo pesquisa, fazendo resumo”. Se eu consigo fazer em três dias, os outros 27 eu vou usar fazendo mais ações sociais, mais conexão com as pessoas, mais desenvolvimento de equipe. Eu gosto de ver não o lado aterrorizante que a gente escuta, porque tem várias visões. Eu acredito que o ser humano nunca vai ser substituído. Vamos precisar das nossas relações, de toque, de calor, de humanidade.

M&M – Com o lançamento do hidratante concentrado da Natura, houve críticas quanto ao preço do produto que, por ter práticas sustentáveis, tornou-se mais caro. É possível equilibrar essas duas pontas?

Tatiana – Para mim, o que está faltando é um acesso da linguagem de sustentabilidade didaticamente para os consumidores. Você se tornar sustentável na sua cadeia produtiva é um esforço, compromete a margem se a gente não conseguir fazer essa educação na ponta. Um dos meus grandes objetivos hoje é criar esse canal, porque o consumidor que, muitas vezes, não tem dinheiro para comprar as coisas básicas, ele não entende quando você entrega menos e custa mais. O ponto é que custa muito mais. Quando fazemos o hidratante concentrado, nós recolhemos todo o plástico do rio da Amazônia. Quando se recolhe aquilo, eu tenho uma parceria com comunidades ribeirinhas fazendo a separação daquele lixo. Isso custa, porque eu quero também poder retribuir o trabalho deles para ter um círculo virtuoso de ganho de renda, de prosperidade. Quando eu vou produzir isso no fornecedor muitas vezes temos que desenvolver do zero. Estamos perdendo margem. Decidimos não cobrar tão mais caro. Se eu fosse cobrar o preço real que me custa, ele estaria mais caro. Ontem mesmo, tive uma solução que eu vou conseguir reduzir o preço significativamente por uma por uma revisão na forma como vamos entregar. Estamos avaliando se existem outras formas de fazer para que tenhamos menor impacto fiscal e menor impacto no bolso do consumidor, porque ele não compra se ele vê redução em aspectos do produto, mas preço caro. Essa equação não fecha na cabeça dele, se eu não conseguir explicar para ele a importância daquele ato. Percebo uma grande oportunidade de contribuir com os meus pares em sustentabilidade e regeneração é criar uma linguagem muito didática e muito fácil para que as pessoas comecem a enxergar o valor. A Natura, muitas vezes, financia esse nosso propósito, porque é propósito, não é marketing.

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