No mar de imagens geradas por IA, a arte humana é o novo território premium
A arte urbana não é só estética. É estratégia. Em tempos de excesso digital e algoritmos criando imagens em massa, a autenticidade virou luxo
A arte urbana não é só estética. É estratégia. Em tempos de excesso digital e algoritmos criando imagens em massa, a autenticidade virou luxo
9 de junho de 2025 - 9h20
Shoreditch, o bairro londrino que sediou o SXSW 2025, já foi uma área negligenciada. Hoje, é uma vitrine mundial de reinvenção urbana, onde o grafite, a arte de rua e a diversidade cultural transformaram ruas estreitas em verdadeiras galerias a céu aberto e em cases de branding espontâneo.
Para entender melhor esse cenário vibrante, participei de um tour guiado pelo bairro. No caminho, dois murais gigantes chamaram minha atenção: Ray-Ban e Rapha, marcas globais que ocupavam fachadas inteiras com suas logomarcas incorporadas à arte urbana. A mensagem era simples, mas poderosa: autenticidade e propósito não são apenas slogans, são pilares da reputação moderna.
Essas parcerias com artistas de rua não são aleatórias. Elas injetam originalidade, relevância cultural e uma dose necessária de coolness nas campanhas. Em um mundo onde, segundo dados da EveryPixel, já foram geradas mais de 15 bilhões de imagens por IA — superando todas as fotos tiradas na história da fotografia tradicional —, a autenticidade humana da arte torna-se um ativo escasso e, portanto, ainda mais valioso.
Entre murais e grafites, outro elemento inusitado me surpreendeu: brócolis coloridos colados nas paredes, como instalações de arte moderna espalhadas pelo bairro. Intrigada, fui atrás da história.
Conheci Adrian Boswell, o “Broccoli Man”. Ex-chef Michelin, ele abandonou a alta gastronomia para fazer arte… com brócolis. Sua proposta excêntrica viralizou após influenciadoras chinesas descobrirem suas obras no TikTok. O resultado: mais de 2.500 encomendas internacionais, 20.000 peças vendidas e colaborações com marcas como Doc Martens — criando a Broccoli Boot — e até no Fortnite, com fundos exclusivos de arte. Um storytelling improvável, mas absolutamente autêntico, que ilustra como paixão, persistência e marketing de influência podem transformar uma ideia inusitada em fenômeno de mercado.
Agora, imagine se uma marca tivesse ocupado esse território com ele?
Eu acredito que exemplos como esse deveriam ser replicados no Brasil. Temos uma riqueza extraordinária de artistas plásticos, grafiteiros, videomakers e criativos que podem atuar como agentes de revitalização urbana e de fortalecimento de narrativas culturais. Áreas degradadas poderiam ganhar nova vida, e as marcas poderiam se conectar de maneira autêntica com o público, gerando impacto social e construindo reputação baseada em pertencimento e cultura viva.
Essa visão foi ampliada no painel Power, Patronage and Purpose: Why the Arts Matter in Corporate Strategy. Ali ficou claro que, além de ocupar territórios culturais e abraçar causas legítimas, as marcas precisam desenvolver novas métricas para medir o impacto desses investimentos. É imprescindível coletar e analisar dados de mercado, churn, percepção de marca e impacto na atração e retenção, além de avaliar o desenvolvimento de comunidades criativas. O acompanhamento contínuo do impacto sobre públicos diversos — de clientes a comunidades e jovens talentos — precisa estar integrado às estratégias de comunicação, PR e posicionamento institucional.
O uso inteligente de dados é o que valida o investimento em cultura, educação e inovação, orientando decisões estratégicas futuras e garantindo que as iniciativas tenham, de fato, retorno social e econômico.
A arte urbana não é só estética. É estratégia. Em tempos de excesso digital e algoritmos criando imagens em massa, a autenticidade virou luxo. Quem entender isso primeiro vai ocupar o espaço mais raro e valioso: o da verdadeira conexão humana.
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