Deixem as marcas viverem
O público quer presença, não perfeição. Quer marcas que se arrisquem, que se posicionem, que se deixem afetar pelas colisões do mundo real
O público quer presença, não perfeição. Quer marcas que se arrisquem, que se posicionem, que se deixem afetar pelas colisões do mundo real
4 de junho de 2025 - 13h30
A primeira edição do SXSW fora dos Estados Unidos começou com céu azul, ruas vibrantes e um clima criativo que pulsava em cada esquina da cidade. Mas o que realmente chamou minha atenção não foi o sol, e sim o contraste entre o conteúdo apresentado e o lugar em que ele era debatido. Em um dos espaços mais simbólicos do festival – uma igreja com vitrais, madeira antiga e atmosfera quase sagrada – criadores, executivos e pensadores subiram ao altar, não para pregar, mas para compartilhar, colidir e provocar. E talvez não exista metáfora melhor para o tema desta edição: beautiful collisions – colisões belas, inesperadas e absolutamente necessárias.
Foi nesse ambiente de fricção construtiva que emergiram os aprendizados mais impactantes da minha jornada pelo SXSW London. Um dos momentos mais marcantes veio de um jovem francês de 24 anos, Inoxtag, que decidiu documentar sua jornada até o cume do Everest. Ele não o fez por vaidade ou performance, mas por uma urgência existencial: precisava se sentir protagonista da própria história, algo que aprendeu assistindo a animes na adolescência.
O projeto virou documentário, estreou nos cinemas franceses e, no dia seguinte, foi disponibilizado gratuitamente no YouTube. O impacto foi imediato, com salas lotadas, milhões de visualizações, uma comunidade inteira vibrando junto. Não era só entretenimento. Era épico e íntimo, digital e físico, vulnerável e grandioso, uma colisão viva entre o “isso não vai dar certo” e o “vamos tentar mesmo assim”.
Esse gesto de entrega e risco se conectou diretamente com outros painéis que reforçaram uma mesma ideia: o conteúdo deixou de ser uma entrega finalizada para se tornar um processo compartilhado. Os melhores cases que vi não eram os mais caros ou perfeitos, mas sim os mais humanos, imperfeitos e, por isso mesmo, verdadeiros.
Na Uncommon Creative Studio, ouvi que publicidade e entretenimento não são mais universos opostos, mas estão se fundindo num espaço híbrido, onde o que importa é o que move – e o que move, hoje, são as colisões entre estética e causa, marca e manifesto, algoritmo e alma.
Um dos melhores exemplos disso veio da Loewe, marca de luxo com quase dois séculos de história, que hoje se comporta como uma publisher. Ela produz conteúdo com estética autoral, ritmo próprio e, acima de tudo, abertura para o improviso. A campanha com Aubrey Plaza, por exemplo, nasceu de um trocadilho sobre a dificuldade de pronunciar “Loewe” e se transformou em um curta hilário e inesperado, cujo roteiro foi desconstruído pela própria atriz, em um set que permitia liberdade criativa real. Não havia briefing engessado nem medo de errar, mas havia confiança, cumplicidade e um entendimento maduro de que as melhores histórias nascem quando o controle dá lugar à escuta.
E foi justamente esse ponto que mais me provocou como gestora de reputação: o medo ainda é o maior limitador da narrativa das marcas. Medo de perder o controle, de parecer vulnerável, de apostar em vozes não óbvias, de errar, de ser cancelada.
Mas se existe algo que esse SXSW nos ensinou é que não há mais espaço para discursos assépticos. O público quer presença, não perfeição. Quer marcas que se arrisquem, que se posicionem, que se deixem afetar pelas colisões do mundo real.
No painel sobre creators e plataformas, promovido pela Service95 e pela Kuala, vimos um novo modelo de comunidade emergir: um em que o criador detém seus dados, seu público e sua narrativa, sem intermediações que distorçam sua essência. A confiança – não a audiência – é o ativo mais valioso nessa nova dinâmica. E ela se constrói com vulnerabilidade, consistência e abertura genuína para o outro.
Harry Stebbings, criador do Twenty Minute VC, começou seu podcast aos 17 anos, sem conexões ou dinheiro, apenas com a vontade de perguntar. Hoje entrevista os maiores nomes do venture capital global e ensina algo poderoso: “Construa antes de precisar. Compartilhe antes de estar pronto.”
Essa lógica, que vale para criadores, deveria valer também para marcas. Porque reputação que sobrevive não é a que se blinda, mas a que se expõe com intenção. Que sabe perder o controle sem perder a coerência. Que entende que comunicar não é impor um discurso, mas construir uma relação.
Saio do SXSW com a certeza de que estamos, sim, vivendo um novo tempo – um tempo em que o conteúdo é processo, e não produto; em que autenticidade deixou de ser tendência para se tornar critério; em que as marcas que realmente terão relevância serão aquelas que tiverem a coragem de colidir com o que não conhecem, de se mover com o mundo e de se deixar transformar por ele.
Porque no fim, o que se espera das marcas não é que digam tudo certo, mas que vivam de forma verdadeira. E que estejam dispostas, sempre, a colidir com beleza.
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