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Demanda ESG faz crescer a oferta de cargos na área
Criação de posições especializadas indica a materialização de planos de ação relacionados à agenda e gera oportunidades profissionais
Demanda ESG faz crescer a oferta de cargos na área
BuscarCriação de posições especializadas indica a materialização de planos de ação relacionados à agenda e gera oportunidades profissionais
Giovana Oréfice
5 de abril de 2023 - 5h54
Não é de hoje que a agenda ESG está colocando em xeque a sobrevivência de negócios. A pressão de investidores e consumidores tem mobilizado empresas em busca de um modelo sustentável. Levantamento realizado pela ManpowerGroup, consultoria global em recursos humanos, mostra que 42% das companhias no Brasil apontam adotar práticas ESG para se adequarem a legislação e regulamentos, enquanto 39% justificam as ações como formas de reflexão de valores e redução de custos e 33% buscam ganhar vantagem competitiva.
A aplicação da teoria é chamada de walk the talk, expressão na língua inglesa para a adoção prática dos conceitos. Das pressões externas e necessidades internas de mudanças, surge a exigência de contar com talentos que sejam capazes de traduzir em ações as missões e conceitos defendidos pelas companhias.
Já há alguns anos observa-se um movimento de criação de cargos específicos para atender às demandas relacionadas à ESG. Outra pesquisa, esta da PageGroup (que engloba as consultorias Page Executive, Michael Page, Page Personnel, Page Interim, Page Outsourcing e Page PCD), constatou que tais posições seguirão em alta neste ano e se mostram como opções promissoras de carreira, ainda relativamente novas e pouco exploradas. A cadeira de chief sustainability officer, chief ESG officer ou simplesmente diretor de sustentabilidade têm salários que podem ficar entre R$ 40 mil e R$ 60 mil. De acordo com o grupo, o profissional “responde pela construção de políticas, definição de metas, gestão de stakeholders, garantindo o cumprimento de normas, execução das ações e se envolvendo em certificações e preparação de relatórios corporativos”.
No relatório, constam opções de funções executivas até de suporte à gestão. Além disso, foram ouvidas organizações de todos os portes em 14 setores da economia. “Quando temos um executivo com esse background, ele dificilmente está desempregado. Ele está em uma grande empresa, gerenciando projetos. Para que essa movimentação seja feita, é preciso ser atrativo”, salienta Ana Borges, gerente executiva da Michael Page e Page Personnel. Dessa forma, a remuneração inflacionada é um resultado da demanda de mercado somada ao fato de serem posições estratégicas nos negócios atualmente.
“Na medida em que se criam estratégias de ESG, com temas ligados a seus principais impactos — ambientais, sociais e de governança —, as empresas criam seus planos de ação e é preciso contratar pessoas”, explica Ricardo Voltolini, CEO e fundador da consultoria Ideia Sustentável. Ele pontua que, ainda que no ano passado cargos relacionados ao tema tenham tido uma procura mais acelerada por parte das companhias, movimentos similares são anteriores.
As oportunidades de emprego na área são proporcionais à ascensão da agenda e o reforço de sua urgência no mercado, mas já era possível ver uma busca por profissionais de sustentabilidade e segurança ambiental, por exemplo. Com o passar do tempo, pautas sociais foram ganhando visibilidade e dando destaque aos especialistas em diversidade e inclusão dentro das organizações. Hoje, segundo Voltolini, as demandas são das mais variadas: existem profissionais especializados em emissão de carbono, de definições de plano “netZero”, economia circular, gestão de fornecedores e por aí vai. Quanto mais longa a cadeia de valor, mais especializações são necessárias.
Publicitária por formação, Katielle Haffner, head de relações corporativas e ESG da Coca-Cola Brasil, comenta que, no início da procura por colaboradoras da área, as cadeiras tinham, em sua maioria, exigências técnicas: Engenheiros florestais eram encarregados de temas específicos volta
dos ao meio ambiente e sustentabilidade, enquanto cadeiras de responsabilidade social envolviam-se com temas mais relacionados à filantropia. Contudo, surge agora uma necessidade de expertises mais afuniladas, sobretudo no que diz respeito à alta gestão. “Hoje, a visão que se tem é muito de valor compartilhado, de como o negócio opera de uma maneira sustentável gerando impacto positivo e mitigando questões”, diz.Na Coca-Cola há quase dez anos, Katielle ingressou como gerente da marca Burn. Ao longo do tempo, passou por posições de gerente de marketing e, já bastante conectada com o time de sustentabilidade e pautada por seu propósito, assumiu o posto de senior manager sustainability, public affairs and communication and franchise operations no País em março de 2021.
O background de experiências anteriores dá certa vantagem competitiva aos que estão aptos a trabalharem diretamente com questões relacionadas ao ESG. “Dá outra perspectiva de como funciona e opera o negócio. Quando ficamos presos em uma especialidade, é difícil conectar com o ponto de vista do outro mesmo tendo empatia. Por isso, vivência, carreira em espiral, conectar com outras áreas e trazer um ponto de vista diferente têm muito valor”, diz. Entretanto, a possibilidade parte muito da abertura que esses talentos têm para que se movimentem entre áreas e carreiras dentro da própria organização. Na Coca-Cola, os ciclos para que colaboradores circulem na companhia são de dois anos.
Carlos Pignatari trabalha na Ambev desde 2013 e, há 4 anos, atua como head de impacto social. Ainda recém-graduado em administração pública, na FGV, sua primeira atribuição foi a de analista de gestão e pessoas numa planta da cervejaria em Curitiba. “Tendo contato com a operação no dia a dia, e quando falamos de vendedores ou operadores, falamos de pessoas muito diferentes de nós. Eles têm formação, mas não necessariamente têm muito dinheiro e, com a conversa, vamos entendendo sobre as oportunidades de melhorias”, comenta.
De volta a São Paulo, passou a se envolver com a gestão do clima organizacional da Ambev, bem como com métricas. Participou, em 2018, da criação do VOA, programa de transformação social em que colaboradores e ONGs atuam junto a empreendedores para melhorar seus negócios. “Conhecendo nosso negócio e entendendo o potencial dele, vemos como podemos ajudar a sociedade para garantir que, no final do dia, seja uma coisa genuína e verdadeira, de dentro para fora”.
“Quando olhamos para o mercado, não temos ainda um número considerável de profissionais que tenham essa expertise, que estejam formados e tenham a escola em ESG. Para cursos e MBA, é um assunto relativamente novo”, analisa Ana Borges. Para a executiva da Michael Page e Page Personnel, esta é a razão pela qual empresas buscam talentos internamente antes de recorrer aos esforços de atração. “As empresas têm olhado para dentro de casa em primeiro lugar, com uma visão para pessoas que tenham, de alguma forma, conexão com alguns pilares, trazendo pessoas de sustentabilidade, qualidade e meio ambiente, ou em muitos casos, de recursos humanos. No caso de contratações externas, a demanda por especialidades é ampla, bem como a senioridade, que varia de acordo com as necessidades e o estágio de implementação da agenda em que a instituição se encontra.
É certo que, nas discussões deste novo modelo de fazer negócios, o fator geracional é imprescindível. Com millennials e Geração Z chegando ao mercado de trabalho e no mundo dos investimentos, e ascendendo na hierarquia de organizações, a cobrança por mudanças efetivas fica ainda mais em evidência. Há uma cobrança por parte destes grupos pela presença de ESG nas empresas em que querem trabalhar. “A área de ESG traz benefícios para a companhia por diversos aspectos. Em como a empresa é vista pela sociedade olhando para a questão de marca empregadora para atrair talentos, por exemplo”, cita Ana.
A KPMG do Reino Unido identificou num levantamento que um em cada três jovens já recusou oferta de emprego uma vez que os compromissos ESG da marca empregadora não estavam alinhados com seus valores. 55% dos indivíduos entre 25 e 34 anos mostraram ter maior probabilidade de valorizar o princípio. Na sequência, aparecem aqueles com 18 a 24 anos (51%). A pesquisa teve seis mil entrevistados, entre os que já estão inseridos no mercado, estudantes e recém-formados. Contudo, há um alerta: “As gerações que estão vindo têm muitas certezas, e acredito que é mais legal termos questionamentos. As perguntas, às vezes, são mais importantes do que as respostas”, adverte Katielle, da Coca-Cola.
Meio ambiente, social e governança são os três pilares que norteiam o compromisso, abrindo o leque para inúmeras opções de planos de ação. Responsabilidade não só das empresas, o governo entra nos esforços relacionados ao ESG para regulamentar e trazer para o âmbito de políticas públicas as estratégias de mitigação de impactos e em prol da comunidade.
Bacharel em relações internacionais, Suelma Rosa afirma que, na disciplina, a pauta ambiental e de direitos humanos sempre esteve em voga, bem como a relação entre público e privado, pautada por uma conduta ética e íntegra. Atual head de reputação e assuntos corporativos da Unilever para Brasil, América Latina e Caribe, ela salienta que é preciso transitar por diversos departamentos da empresa a fim de cumprir os requisitos que o ESG demanda. “A entrega de todas essas metas depende de um conjunto de funcionamento de negócio da empresa. A área de sustentabilidade, assuntos corporativos e comunicação têm a função integradora”.
De acordo com a executiva, o ESG encontra o desafio de materializar, metrificar e calcular custos e efeitos na sociedade e no planeta. Dessa forma, é possível fazer com que investidores, acionistas e até mesmo consumidores percebam ações práticas da companhia. Na Unilever, não há uma área específica para a agenda, mas um departamento focado em governança. Em 2020, a companhia apresentou o Compass, plano de estratégia que se alinha com sua visão de “ser líder global em negócios sustentáveis e demonstrar como um modelo de negócio guiado por propósitos e pronto para o futuro entrega melhor desempenho, com resultados financeiros consistentes”.
Uma parte do trabalho para alcançar a meta ocorre internamente. Já outra, vem do engajamento com o ecossistema que viabilizará inovações para as transformações que querem provocar no mundo, articulando setores da economia, fornecedores, cadeia de valor, escuta com sociedade civil, formadores de opinião, entre outros. Daí, surge a demanda por líderes que tenham habilidades de cocriação e de gerar parcerias e alianças.
Além da responsabilidade de gerir times, o dia a dia do gestor que trabalha em consonância com os princípios socioambientais e de governança perpassa a atualização constante do que está acontecendo no mundo. Isto é, olhar para fora da bolha e entender as tendências que permeiam a sociedade e as necessidades que podem surgir. “Quando falamos de impacto social, estamos falando de muitos problemas sociais, só que, às vezes, não temos a solução para todos, apenas para alguns. Como faço para entender quais são e identificar habilidades dentro de parceiros que poderão me ajudar?”, questiona Pignatari, da Ambev.
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