Opinião
A solitária jornada da mulher com deficiência no mercado de trabalho foi pauta na 68ª CSW da ONU
A inclusão não é apenas uma questão de conformidade legal, mas de justiça social e respeito pela dignidade humana
A solitária jornada da mulher com deficiência no mercado de trabalho foi pauta na 68ª CSW da ONU
BuscarA inclusão não é apenas uma questão de conformidade legal, mas de justiça social e respeito pela dignidade humana
18 de abril de 2024 - 9h49
É muita honra para uma mulher brasileira com deficiência participar do 68ª CSW Fórum, organizado pela Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) da ONU em NY. Eu nunca sonhei. Tenho certeza de que muitas mulheres sonharam com isso, mas eu não sonhei porque não me via em um lugar assim. Poder assistir a fala da Mariana Torquato, outra mulher com deficiência, foi emocionante porque eu não estava sozinha.
As mulheres sabem o que é estar sozinha nos lugares. As mulheres pretas sabem o que é estar sozinha, então tenho certeza de que cada aplauso que recebi não foi somente para mim, e sim para muitas mulheres com deficiência que eu estava representando ali. Meu discurso tinha como propósito mostrar um pouco do que é a jornada individual de uma pessoa com deficiência, as complexidades interseccionais que envolvem gênero, raça e deficiência no contexto brasileiro contemporâneo.
O mercado de trabalho para pessoas com deficiência no Brasil é caracterizado, em grande parte, pelas cotas. Implementadas pela lei 8.213 de 1991, elas foram uma tentativa de garantir a inclusão das pessoas com deficiência em um ambiente onde seriam marginalizadas. No entanto, após mais de 30 anos, sabemos que ainda há muito a ser feito.
Apenas metade das vagas reservadas para as pessoas com deficiência são ocupadas no mercado de trabalho segundo RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de 2022. Dessas, apenas 42% são ocupadas por mulheres com deficiência. As mulheres com deficiência enfrentam desafios adicionais devido à interseção entre gênero e deficiência.
Quem, assim como eu, atua para implementar e fortalecer a cultura de diversidade, equidade e inclusão nas empresas, sabe bem que a busca do mercado ainda está focada apenas no cumprimento da Lei de Cotas. A maior parte das empresas que busca iniciar ou aumentar a inclusão, na verdade, foca na contratação de pessoas com deficiência. Porém, a inclusão está muito além da contratação. Poucas delas nos procuram para falar de carreira, de crescimento, de oportunidades, de formação de lideranças de pessoas com deficiência.
A inclusão é muito mais que apenas cumprir cotas. Trata-se de criar um ambiente onde as pessoas com deficiência possam ingressar, prosperar e crescer em suas carreiras. É uma oportunidade para empresas enriquecerem sua força de trabalho, com diversas perspectivas e experiências. Isso é valorizar a diversidade.
Falta movimento para que eu possa me locomover, mas não me falta locomoção, porque as rodas me levam, meus braços me levam, meu propósito me leva. A percepção errada de que a deficiência é uma ausência de habilidade é mais uma barreira capacitista, que nos impede de crescer na profissão. Na verdade, as pessoas com deficiência frequentemente desenvolvem habilidades alternativas e recursos criativos para superar obstáculos. No entanto, as barreiras arquitetônicas, metodológicas e sociais ainda existentes dificultam o acesso igualitário a oportunidades e recursos básicos.
Ao invés de focar no que falta nas pessoas com deficiência, é preciso valorizar as habilidades que nos sobra. Falta o mundo corporativo enxergar a pessoa com deficiência a partir da perspectiva do que a gente faz, e não do que a gente não faz. Esta reflexão reforça a importância de uma mudança de mentalidade. Em vez de focar nas limitações percebidas das pessoas com deficiência, é fundamental reconhecer e valorizar suas habilidades, contribuições e perspectivas únicas. A diversidade é reconhecer e celebrar a riqueza das experiências humanas.
Eu não sou a representatividade das pessoas e das mulheres com deficiência. Sou apenas um pedacinho de uma grandiosidade de mulheres e das pessoas com deficiência. Cada indivíduo traz consigo uma história e uma perspectiva única. Portanto, a inclusão verdadeira requer o reconhecimento e a celebração dessa diversidade em toda a sua complexidade.
Em meu discurso na ONU, procurei trazer os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência no Brasil, ao mesmo tempo em que busquei inspirar esperança e transformação. A inclusão não é apenas uma questão de conformidade legal, mas de justiça social e respeito pela dignidade humana. Somente por meio do reconhecimento e da valorização das habilidades e contribuições das pessoas com deficiência podemos criar um mundo verdadeiramente inclusivo e equitativo para todas as pessoas.
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