Como a solidão afeta a carreira das mulheres com deficiência
Estar cercada de gente e se sentir sozinha é um dos piores tipos de isolamento, e ainda mais intenso quanto mais interseccionalidades

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Falar sobre solidão não é apenas um desabafo emocional. É uma urgência social. A solidão é uma epidemia silenciosa, e, para mulheres com deficiência, ela ganha contornos ainda mais agudos, especialmente quando focamos na trajetória profissional.
Durante o evento Tempo de Mulher, que aconteceu e junho e é promovido pela jornalista Ana Paula Padrão, eu e a Flávia Porto, vice-presidente do conselho da United Way Brasil, falamos sobre como a saúde social — ou seja, a qualidade das nossas relações sociais — é uma questão determinante direta da nossa saúde integral, que forma um tripé com a física e a mental. Com a instabilidade na nossa saúde social, a nossa produtividade fica abalada. Parece óbvio, mas não é: estar cercada de pessoas não significa se sentir pertencente. E isso, na carreira profissional, pode ser uma situação devastadora.
Não é raro que mulheres com deficiência sejam reduzidas à sua condição. Diferentemente do evento Tempo de Mulher, que verdadeiramente busca toda e qualquer forma de representatividade da mulher, quantas vezes somos convidadas para algo apenas porque representamos um marcador social? Convidada “porque é uma pessoa cadeirante ou surda”, “porque é mulher preta”…?
Somos chamadas, muitas vezes, para preencher lacunas de diversidade. Isso não é ruim, mas o fato é que queremos ser percebidas além dos nossos marcadores sociais. Somos presença, mas não pertencimento. E constatar isso adoece e fragiliza nossa saúde social.
A solidão não é apenas ausência de companhia. Ela é estrutural. É não se ver representada. É perceber que você está ali, mas nem sempre é considerada. É estar em uma reunião e ser interrompida. É estar em uma equipe e não ser promovida. É ser competente, dedicada, estudiosa, e ainda assim ter que justificar o porquê está ali.
Segundo uma pesquisa global feita pelo Instituto Ipsos, o Brasil é o país onde as pessoas mais se sentiram solitárias logo após a pandemia: 50% da população. Entre pessoas com deficiência, o índice sobe para 85%. Isso diz muito. E não é só sobre afeto, é sobre como isso impacta nossa saúde. A solidão, já comprovada por estudos internacionais, pode fazer tão mal quanto fumar 15 cigarros por dia. E no ambiente de trabalho, 65% das pessoas colaboradoras afirmaram se sentir sozinhas, mesmo em grandes equipes. A solidão corporativa é real.
A vida no trabalho segue muito pautada por relações utilitárias, ou seja, nos conectarmos com pessoas que nos oferecem possibilidades, que dão credibilidade às nossas ideias e ações. Quando você é uma mulher com deficiência, muitas vezes não tem acesso ao mesmo repertório e nem ao mesmo networking. Já vi pessoas chegarem a lugares de liderança mais pelo acesso às conexões certas do que pelo talento. Ser uma pessoa talentosa ainda não é o suficiente, especialmente para quem está em desvantagem social.
Estar cercada de gente, mas se sentir sozinha, é um dos piores tipos de isolamento. A solidão é ainda mais intensa quanto mais interseccionalidades carregamos: ser mulher, ser preta, ter deficiência. Cada marcador social parece adicionar uma camada de invisibilidade.
A primeira vez que fui ao jantar de aquecimento do evento Tempo de Mulher, eu estava angustiada, quase desisti de ir. Não era um ambiente em que eu costumava circular. Mas, fui tão bem acolhida, que ali começou um novo capítulo para mim. Fiquei à vontade para trazer outras pessoas com deficiência. E é disso que se trata a saúde social: nutrir relações intencionalmente, permitir que o outro exista por inteiro. No Japão e no Reino Unido já existe o Ministério da Solidão.
Podemos e devemos utilizar uma das melhores qualidades do povo brasileiro, que é a facilidade em criar conexões interpessoais. Precisamos falar mais sobre como a representatividade e a inclusão não são um favor. São um investimento em saúde coletiva, em produtividade, em humanidade. E as lideranças precisam assumir seu papel: cultivar ambientes em que as diferenças não apenas existam, mas floresçam.
Porque no fim das contas, a solidão não é um problema individual. É um reflexo de como estamos, ou não, nos conectando de verdade.