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Opinião

É proibido dançar

Carta aberta aos líderes, chefes, diretores, CEOs e gestores de pessoas negras


8 de maio de 2023 - 15h09

(Crédito: shutterstock)

Com séculos de atraso, nós começamos, aqui e ali, a chamar para a festa, mas não estamos tirando ninguém para dançar – aqui parafraseio a famosa frase de Verna Myers, vice-presidente de Estratégia de Inclusão da Netflix: “Não adianta chamar para a festa e não tirar para dançar”. Nos últimos meses tenho conversado com várias mulheres negras que chegaram em algum cargo mais relevante na empresa e percebi que elas estão vivendo situações muito parecidas embora trabalhem em lugares completamente diferentes. A verdade é que elas estão incomodando! As brancas, os brancos. E sabe por quê? Porque resolveram dançar e foram para o salão principal em piruetas.  

A cena que narro agora aconteceu de verdade, no ano passado, em uma reunião de lideranças (todas pessoas brancas) de uma grande agência. A conversa era sobre o convite que uma profissional negra havia recebido para participar, como debatedora, em um importante evento do meio publicitário. Eis que uma frase rompe o ar: “Mas quem deveria ter sido convidada era eu e não ela!’’. Não sei se o pior foi a fala da mulher branca ou o silêncio que se fez em seguida… Então, vamos por partes. Simone de Beauvoir chamou de “conspiração do silêncio” em seu livro so­bre a velhice, escrito em 1970, a forma como o tema do envelhecimento é tratado. Mais recentemente, Sueli Carneiro, filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento negro brasileiro, utilizou a mesma expressão para falar sobre o racismo. No caso da reunião em questão, aquele silêncio perturbador foi a opção da branquitude pela zona de conforto onde tudo é permitido, inclusive a omissão. Afinal, quem cala consente. No entanto, é importante lembrar que a omissão pode ser tão perigosa quanto a discriminação ativa, pois perpetua o status quo e dificulta a busca por soluções nas relações raciais. Não tinha ninguém naquela sala para dizer: “Fulana, como assim?? Por que tinha que ser você? Estamos falando de uma mulher negra que esperou cinco séculos para estar aqui, nesse lugar! Espaço que ela conquistou pelo seu talento; talento que lhe deu o protagonismo para ser ela a escolhida pelos organizadores do evento e não você.” 

A fala da publicitária branca, indignada pela perda de um espaço o qual ela nunca precisou disputar pois sempre foi dela, traduz o que está acontecendo cada vez mais nas empresas que estão buscando a inclusão racial em seus quadros.  Aviso aos navegantes brancos, é só o começo! E isso é muito bom! Essas profissionais negras – assim como os profissionais negres- vieram para ficar. Com seus saberes e olhares a partir de territórios distantes dos nossos, não só entraram no baile como estão dançando, ocupando o salão com ritmos novos e diferentes movimentos. Bill Barnett, professor da Universidade de Stanford, na Califórnia, que estuda o crescimento e o fracasso das empresas, costuma dizer que o grande inimigo da inovação é o consenso. A criatividade e a pluralidade que precisamos só existem em um ambiente diverso, com códigos, signos e valores diferentes dos nossos que vivemos fechados em nossos salões de baile ouvindo sempre as mesmas músicas monótonas e dançando dois pra lá, dois pra cá. 

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