O que as mulheres da geração Z realmente querem no trabalho?
Empresas mais desejadas pelos jovens falam sobre como atrair, reter e engajar frente aos desafios trazidos pelas novas gerações
O que as mulheres da geração Z realmente querem no trabalho?
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Lidia Capitani
4 de setembro de 2024 - 11h57
De acordo com uma pesquisa recente da consultoria United Minds, 71% dos trabalhadores brasileiros se sentem motivados em seus empregos atuais, porém, somente 28% dos jovens da geração Z dizem o mesmo. Outro estudo, da Great People & GPTW, mostra que 68% dos entrevistados sentem dificuldade em lidar com a gen Z no ambiente de trabalho. Os dados levantam questões sobre como os jovens encaram o mercado de trabalho. Quais expectativas são depositadas neles? O que eles buscam em um emprego?
Segundo o relatório “Carreira dos Sonhos”, da Cia de Talentos, os jovens de hoje valorizam a qualidade de vida, o relacionamento familiar e a estabilidade financeira como os elementos mais importantes de suas vidas. No ranking “Empresa dos Sonhos”, do mesmo levantamento, para definir as empresas mais desejadas pelas novas gerações, os entrevistados avaliaram pontos como desenvolvimento, interesse, boa imagem no mercado, segmento de atuação, além de remuneração e benefícios. Algumas das companhias mais desejadas são Google, Itaú e Ambev, que lideram a lista. Natura, Globo e Nestlé também foram citadas entre os dez primeiros.
Para Anna Letícia Magá, diretora executiva do Grupo Flow e mentora de carreira da geração Z, os jovens buscam encontrar significado em seus empregos. “A geração Z busca empresas que estejam alinhadas com seu propósito de vida, onde possam conciliar vida pessoal e profissional, expressar sua personalidade de forma autêntica e evitar o uso de máscaras sociais”, afirma.
Não à toa a Globo está na lista. A empresa é exemplo que pontua as duas principais demandas dessa geração: desenvolvimento e bem-estar. “São dois aspectos valorizados pelos jovens e que estão em sintonia com a cultura da Globo. A pesquisa da Cia de Talentos mostrou que 71% das pessoas que indicaram a empresa como companhia dos sonhos têm entre 21 e 26 anos, sendo 58% mulheres”, diz Natália Pamplona, diretora de gestão de talentos da Globo. Desde 2020, a empresa aumentou em 279% o número de pessoas da geração Z no quadro de colaboradores.
De acordo com especialistas, apesar dos pontos em comum, os jovens não podem ser categorizados como uma massa homogênea, principalmente num País como o Brasil, onde camadas sociais também influenciam as escolhas profissionais. Em sua pesquisa sobre a carreira de jovens periféricos brasileiros, Anna Letícia descobriu que a estabilidade financeira ainda é um elemento decisivo na escolha de carreira. “O jovem quer um trabalho que permita pagar as contas e, a partir daí, começar a sonhar com seu futuro profissional. São pessoas que têm muitos sonhos, mas sem a estabilidade financeira, é difícil perseguir o curso ou a posição desejada”, aponta.
Quando o recorte é as mulheres da geração Z, elas são diferentes das profissionais de outras gerações. “Hoje, vemos que há uma maior representatividade feminina no mercado de trabalho. A geração Y já contava com mais mulheres do que a geração X, e essa representatividade continua a crescer. Isso permite com que as jovens da geração Z se imaginem em diversas áreas e posições que antes eram consideradas ‘profissões de homem’. Esse é um movimento importante, que abre novas possibilidades para elas”, destaca a mentora.
Os estudos também indicam que, uma vez no mercado, essa geração tende a apresentar uma certa desmotivação com o trabalho. Anna defende que esses jovens têm, sim, muitos desejos profissionais, mas precisam de um emprego que ofereça um ambiente favorável de desenvolvimento. “Eles têm muita vontade de realizar e alcançar seus objetivos, de serem reconhecidos, terem um trabalho que gostem e serem bem remunerados por isso.”
Um exemplo de como promover isso é o Itaú. O desenvolvimento está na base da cultura da empresa, conforme explica Paola Visani, superintendente de recursos humanos da empresa. “Trabalhamos para proporcionar um ambiente de trabalho dinâmico, ágil, de aprendizagem contínua, colaboração, autonomia e pautado na segurança psicológica, que impulsiona carreiras. Oferecemos programas de talentos, trilhas de desenvolvimento e possibilidade de movimentação interna”, diz.
A Nestlé também busca atender a essa demanda das novas gerações. Por meio de uma plataforma de trilhas de desenvolvimento própria, a Talent Hub, os colaboradores podem encontrar cursos em áreas específicas que desejam se aprimorar. Maria Izabel Azevedo, diretora de talento & cultura da Nestlé Brasil, diz que, se antes era preciso chamar as pessoas para os treinamentos, hoje não é mais necessário. “Agora, apresento um menu de opções de treinamentos e deixo que os colaboradores se inscrevam conforme seus interesses. Dentro da empresa, vejo que a geração Z é ambiciosa e busca oportunidades que estejam alinhadas com seus propósitos.”
O que é frequente entre as tendências apontadas sobre geração Z no trabalho, de acordo com pesquisas recentes e a experiência de Anna Letícia Magá, é a falta de desejo dos jovens de se tornarem lideranças. “Com a crescente compreensão da importância da saúde mental e do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, eles percebem que a liderança traz uma carga mental enorme, mas não necessariamente oferece uma remuneração adequada ou mais liberdade e flexibilidade.”
Como resposta a esse desafio, a Nestlé criou um programa de desenvolvimento específico para a geração Z, o VOE. A iniciativa tem treinamentos focados em áreas e lideranças; mentorias individuais ou ciclos; e ações voltadas para a prática, onde os participantes trabalham em projetos reais, mesmo que fora de suas áreas de atuação. “Com esses programas, conseguimos uma retenção de mais de 85% e cerca de 70% dos participantes já passaram por movimentações internas”, revela a diretora.
Anna Letícia avalia ainda que comportamentos frequentemente atribuídos à geração Z, como o “quiet quitting”, “quiet ambition” ou o “rage applying”, não são exclusivos dos jovens e nem inventados por eles. “Muitas vezes, a própria geração Z nem conhece o termo, mas quando explicamos, eles reconhecem que já fizeram isso. Um exemplo é o ‘rage applying’, que é quando alguém fica frustrado ou com raiva de alguma situação no trabalho e começa a procurar outro emprego para se vingar. Essas atitudes, no entanto, não são exclusivas da geração, mas comportamentos que sempre existiram no mercado”, afirma.
A diferença é, também, que a geração Z tem mais canais para expressar suas opiniões e insatisfações. Eles se expõem mais na internet, enquanto outras gerações tendem a ficar quietas. Além disso, esses jovens cresceram na era da informação e, portanto, têm uma visão de mundo mais ampla e diversificada.
Para Anna, é importante considerar, também, os choques de expectativas entre as gerações no mercado de trabalho e até entre pesquisadores sobre o tema. “O conceito de emprego está mudando de forma radical e rápida, o que cria um choque geracional entre o que a geração Z espera do mercado de trabalho e o que o mercado espera deles.” Na visão dela, as lideranças esperam que os jovens já venham com as respostas prontas, quando, na realidade, eles têm mais perguntas do que certezas.
“Esse choque geracional existe, e precisamos, como líderes e gestores, nos preparar para lidar com as características dos jovens, com seus questionamentos e uma visão de mundo diferente”, ressalta.
No Itaú, por exemplo, a superintendente de RH explica como aplicar essa nova visão de mundo no cotidiano, que permite uma mobilidade interna flexível. “Assuntos e habilidades transversais são o pano de fundo para possibilitar as mudanças, e conhecimentos específicos podem ser adquiridos já na nova posição. Essa possibilidade de ser intencional com relação ao plano de desenvolvimento de carreira, e seguir aprendendo de forma rápida e contínua, é cada vez mais fundamental para essa geração”, afirma.
Anna Letícia aconselha que as empresas tenham em mente a importância de promover um propósito e uma estratégia bem definida. “Hoje, os jovens estão forçando a liderança a assumir um papel mais robusto de gestão, que envolve não apenas dar ordens, mas também montar estratégias, organizar o trabalho e garantir que o fluxo operacional funcione bem”, aponta a mentora. “Quando falamos de propósito no trabalho, não se trata apenas de causas nobres, mas de encontrar sentido no que fazemos, entender por que estamos ali e quais resultados queremos alcançar.”
Uma forma que a Nestlé encontrou de alinhar os propósitos da empresa com seus talentos foi por meio do programa “People Match”, em que os colaboradores indicam seus interesses e a empresa os cruza com projetos disponíveis. “Mais de 64% das pessoas cadastradas tiveram movimentações na carreira por meio da iniciativa. Para os jovens, a ideia de poder aplicar seu propósito pessoal e, ao mesmo tempo, ter oportunidades de crescimento é extremamente atraente”, exemplifica Maria Izabel.
Outro ponto que a especialista em carreira para a geração Z destaca é a capacidade de atualização das empresas. Algumas organizações têm resistência em adotar novas tecnologias ou linguagens e atuam em modelos baseados no passado. Os jovens, por outro lado, não têm as mesmas referências, e exigem que as companhias olhem para o presente.
“Cabe a nós, como gestores, lideranças e pessoas mais experientes, traçar o caminho do futuro do trabalho e ajudar os jovens a pavimentarem essa trajetória, que não será uma repetição do passado”, reflete Anna Letícia.
Para as especialistas, esse caminho se dá com sucesso por meio de trocas de equipes intergeracionais. “Acredito que a questão é sobre como as gerações se complementam. O papel do líder é explicar o propósito das iniciativas e engajar os diferentes perfis do time. A motivação vem da base da influência e do desafio constante, e não apenas do comando”, afirma Maria Izabel Azevedo, diretora na Nestlé Brasil.
A mentora de carreira reforça ainda a importância da discussão sobre o mercado de trabalho intergeracional, pois esta é a realidade da maioria das grandes empresas. “As empresas precisam entender que ter uma equipe intergeracional permite alcançar mais mercados, ser mais criativo, se renovar e se manter atualizada em 2024. É fundamental que as empresas planejem e pensem em como gerenciar esse choque de gerações no ambiente de trabalho.”
Esta é a realidade da Natura, que tem cinco gerações diferentes trabalhando na empresa. “Isso implica em diferentes referências, valores e modelos mentais atuando em conjunto, o que pode ser extremamente positivo, já que essa complexidade nas relações contribui diretamente para o desenvolvimento de soluções inovadoras”, avalia Paula Benevides, vice-presidente de pessoas, cultura e organização da Natura.
A Natura acabou de realizar um ciclo de formação de liderança conectada com a necessidade de mudança social. “Preparamos nossos colaboradores para liderar considerando as individualidades de cada pessoa do time, estimulando a escuta ativa e a criação de um ambiente psicologicamente seguro para que todos possam se posicionar, compartilhar expectativas, conhecimento, experiências e, dessa forma, acelerar o atingimento de soluções viáveis”, afirma a VP.
Outro ponto que Ana Letícia destaca é a necessidade da oferta de benefícios interessantes para essa geração, principalmente a flexibilidade. Na Natura, por exemplo, as equipes trabalham em modelo híbrido, e os profissionais podem escolher quais dias querem estar presencialmente e remotamente, com a possibilidade de flexibilidade dos horários. Além disso, há ainda um pacote de benefícios de saúde física, financeira, emocional e social.
Em suas pesquisas de engajamento, a empresa consegue mapear as prioridades dos diferentes grupos entre seus colaboradores. “Ao identificarmos esses pontos, revisamos e flexibilizamos nossos benefícios e soluções aos colaboradores para contemplar os múltiplos perfis e contextos deles. Isso nos torna mais inclusivos e potencializa nossa proposta de valor na relação entre funcionários e empresa”, diz Paula Benevides.
Outro ponto muito destacado pelas lideranças das empresas é o olhar para diversidade e inclusão, por meio de programas de desenvolvimento, benefícios, processos seletivos afirmativos e cultura aberta ao diálogo. Pensando nas mulheres e em pessoas negras da geração Z, a Globo promove iniciativas específicas de atração e retenção desses talentos.
“Temos trabalhado com intencionalidade em nossos processos seletivos, desde os programas de entrada até os cargos de liderança, com vagas afirmativas. Em 2023, 46% das contratações feitas para cargos efetivos e 65% das voltadas para estagiários e jovens aprendizes foram de mulheres. Nosso Programa de Mentoria também é focado na aceleração de carreira de mulheres e pessoas negras, para que tenham a chance de alcançar posições mais altas dentro da empresa”, afirma Natália.
A Natura também tem focado em atrair e reter mais talentos femininos. “Em nossos programas de estágio, por exemplo, buscamos preencher nossas vagas com 70% de candidatos negros e 70% de mulheres”, revela Benevides. A meta da empresa é garantir que pelo menos 50% das finalistas de processos seletivos sejam mulheres, independentemente do nível hierárquico.
É importante notar que o mercado de trabalho e o Brasil estão passando por transformações. “Estamos enfrentando uma crise no mercado de trabalho, especialmente porque estamos vivendo o bônus demográfico, onde há mais pessoas economicamente ativas do que inativas. Apesar disso, estamos fazendo pouquíssimo esforço para focar na inclusão e no preparo dos jovens para o mercado de trabalho”, avalia Anna Letícia Magá.
O futuro, segundo sua previsão, são vagas disponíveis, porém sem força de trabalho qualificada para preenchê-las. O que resultará em desemprego para a classe trabalhadora que está se formando. Isso é ainda mais preocupante visto o envelhecimento da população brasileira. “Em vez de apenas criticar os problemas, deveríamos estar pensando em soluções para incluir esses jovens no mercado de trabalho”, provoca a mentora.
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