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O que Joe Biden tem a aprender com Fernanda Montenegro?

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Opinião

O que Joe Biden tem a aprender com Fernanda Montenegro?

Homens e mulheres, adultos e crianças, somos todos irrisórios frente às infinitas possibilidades e surpresas que a vida, o tempo e o meio podem nos apresentar


31 de julho de 2024 - 10h21

(Crédito: Reprodução/Instagram)

Estamos vendo em tempo real a polêmica prévia das eleições americanas: o atual presidente da potência global, Joe Biden, acaba de renunciar à candidatura, após cometer inúmeras gafes em eventos públicos e demonstrar sinais de fragilidade. E, ainda assim, o líder da nação norte-americana insistiu em não reconhecer ou admitir essa vulnerabilidade. Mas por que levou tanto tempo para dar o braço a torcer? 

A situação do presidente americano, sua relutância em aceitar a fragilidade, me leva a uma reflexão que há tempos é recorrente em meus pensamentos: a dificuldade em aceitar e transpassar barreiras é intrínseca ao ser humano. Ninguém quer estar errado, por fora ou desatualizado. Isso se acentua com o passar dos anos em que limitações, convicções e vivências tomam espaço em nosso dia a dia, e as dificuldades e falhas podem se tornar mais frequentes. 

Mas por que custa tanto a um homem reconhecer uma deficiência, uma fraqueza ou até mesmo uma falha? Qual a dificuldade de dizer publicamente o óbvio: nossos corpos e mentes têm limites, que são potencializados ainda mais com o avanço da idade? E não é pessoal: o tempo e a vulnerabilidade humana são uma realidade de todas as pessoas. 

Recentemente, a atriz Fernanda Montenegro, com 95 anos bem vividos, levou ao Sesc 14 Bis, em São Paulo, um espetáculo no qual lê “A Cerimônia do Adeus”, obra de Simone de Beauvoir. Durante a leitura, cuja venda de ingressos esgotou em tempo recorde, ela emocionou a plateia com sua capacidade de dar (mais) vida às palavras da autora do clássico “O segundo sexo”, feminista que esteve à frente do tempo em diversos momentos.

O que chamou a atenção, acima de tudo, foi a força de Fernanda Montenegro ao subir ao palco aos 95 anos de idade, com absoluto domínio do palco e público, eloquência e coesão. Com carreira consolidada, atuando desde 1944, aquela senhora poderia estar em casa, recolhendo-se do ofício da interpretação. Em cena, ela comentou várias vezes que adoraria receber pessoas para conversas e fotos, mas não conseguiria por uma limitação do corpo e da idade. É um gesto tão nobre reconhecer uma vulnerabilidade perante uma audiência que te admira. Fiquei me perguntando: um homem médio faria o mesmo? O “código de conduta da masculinidade” tradicional permitiria esse “vacilo”? Mas não vacilamos todos nós, seres humanos? 

Ao ver Biden trocar o nome de sua vice, Kamala Harris, por seu principal rival, Donald Trump, ou referir-se ao presidente da Ucrânia como Putin e, ainda assim, tentar uma desculpa para o ato ao invés de assumir um equívoco, vejo que estamos diante de um exemplo “perfeito” dessa situação. Reconhecer fraquezas e dificuldades não nos torna menos competentes ou eficientes: apenas nos torna mais humanos. 

Uma mulher de 95 anos, ao dizer que seu corpo lhe impõe limites, apresentando-se como frágil perante o tempo, demonstra muita força. Reconhecer-se ferramenta e fruto do meio e admitir o pouquíssimo controle que temos sobre nosso percurso, futuro ou envelhecimento é dos traços mais nobres de um ser humano. Reconhecer-se frágil é de uma força descomunal. É esse paradoxo que precisamos entender e multiplicar. Mesmo em se tratando de figuras poderosas, de monumentos e gênios da humanidade, ainda que se falarmos de líderes e figuras de referência, a fragilidade é certa. 

Quando vejo mulheres como Fernanda Montenegro, um ícone nacional, validando suas fraquezas e, em um oposto absoluto, Joe Biden, presidente americano de 81 anos, lutando contra qualquer indício de humanidade, um mundo de questionamentos se abre. Será que ensinamos nossas mulheres a enxergarem e admitirem fragilidades ou damos a elas o reconhecimento ou a preconcepção da não perfeição? E os meninos que educamos? Qual o espaço que damos ao “sexo forte” para que fraquezas e limitações sejam, sim, parte de uma fortaleza?

A questão central, a meu ver, é estarmos presos à imensa vulnerabilidade de sermos humanos. Homens e mulheres, adultos e crianças, somos todos irrisórios frente às infinitas possibilidades e surpresas que a vida, o tempo e o meio podem nos apresentar. Mas mesmo com tanta certeza de nossa pequenice, insistimos em criar, procriar e educar potenciais carros fortes, blindados e reforçados. O ruim é acabarmos nos esquecendo de algo crucial: o que nos torna tão únicos enquanto humanos é a capacidade de acertar na mesma proporção que erramos. 

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