O uso do crachá faz mal à saúde?
Está faltando na rotina de muitos líderes o ingrediente mais importante de uma receita saudável: boas doses de humanidade
Está faltando na rotina de muitos líderes o ingrediente mais importante de uma receita saudável: boas doses de humanidade
21 de maio de 2024 - 6h12
Resolvi chegar mais cedo naquele evento para assistir à abertura e às palestras que viriam antes da minha. Considerado o encontro mais relevante de saúde mental do Brasil, o SER (Saúde Emocional Ressignificada) reuniu psiquiatras, psicólogos, jornalistas, advogados, especialistas, líderes e executivos para discutir sobre o impacto da saúde mental no ambiente corporativo. Eu não fazia ideia dos dados alarmantes que estavam para ser apresentados, muito menos da reação da plateia em relação ao que compartilhei, dada a comoção mais surpreendente que já vivenciei em toda minha carreira profissional.
Aprendi nesse dia, segundo as pesquisas apresentadas, que o Brasil é o país mais ansioso do mundo, e o quinto mais depressivo; e que a terceira maior causa de afastamento do trabalho são os transtornos mentais, índice que vem aumentando a cada dia. Nas empresas brasileiras, 12% dos funcionários têm uma depressão que precisa ser tratada e 1 em 5 tem um nível de burnout que já prejudica sua produtividade. Agora, o que mais me espantou foi que menos de 40% da geração Z deseja cargos de liderança nas empresas.
O que no passado significava meta e marco de sucesso profissional, hoje não é mais o grande sonho de consumo dos futuros profissionais. Tudo indica que essa gurizada, mesmo diante de um mercado de trabalho encolhido, não quer mais o dinheiro e um alto cargo se não puder desfrutar da vida.
E foi depois de todo esse diagnóstico preocupante que subi ao palco. Deixei evidente que não estava ali com ferramentas ou técnicas de comunicação milagrosas. Meus slides traziam experiências, vivências e atitudes simples do nosso dia a dia que endossam uma crença: a comunicação efetiva e afetiva, especialmente em momentos difíceis, estimula um ambiente mais saudável e mais seguro, aumenta o bem-estar coletivo, torna as pessoas mais felizes, mais produtivas e menos doentes. Sem minimizar, é claro, a importância do acompanhamento médico. Está longe de ser uma jornada fácil e sem tropeços, muito menos o caminho mais rápido. Mas é o que a gente acredita e, sem dúvida, é o único caminho para atingirmos resultados excepcionais.
E o que significa isso tudo na prática? Resumi em três palavras: o cuidado, a escuta e o desapego. Cuidar de si, para então poder cuidar do outro; escutar seu público, acolher sua dor e entender o que é relevante para ele, e aí sim poder fazer ao outro o que ele gostaria (e não o que você gostaria!), ressignificando o velho ditado; e, por último (e talvez o mais difícil, para os egos mais inflados), desapegar do seu crachá: quando estiver interagindo com alguém, não o trate de acordo com o cargo que ocupa, e esqueça também o tamanho da sua posição como critério de autoridade. Esses comportamentos são individuais, dependem de cada um de nós, mas são símbolos e rituais muito evidentes que moldam a cultura de uma empresa.
A reação da plateia foi surpreendente e me emocionei com a fila que se formou e com os depoimentos que ouvi. Muitos vieram falar comigo ao final, para agradecer, compartilhar dores, lágrimas, histórias e uma inquietação em comum: é preciso voltar urgentemente à nossa essência. E como percepção é realidade, meu diagnóstico de tudo o que ouvi foi um só: está faltando na rotina de muitos líderes o ingrediente mais importante de uma receita saudável, que apesar de elementar tem sido muitas vezes desprezado: boas doses de humanidade.
Mais do que nunca, o que é preciso incluir no prontuário do líder é dedicação a sua gente, escuta ativa e valorização das pessoas a sua volta. Então, fica aqui um convite: quer contribuir no combate ao burnout, ao sofrimento emocional, aos custos com saúde e encorajar uma equipe cada vez mais diversa e feliz? Comece com uma boa conversa, genuína, de pessoa para pessoa. Desarme-se de cargos, cerimônias e protocolos. E, de preferência, tire o crachá. Sim, o uso inadequado dele pode fazer muito mal à saúde.
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