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Comunicação

Passionalidade dá o tom da propaganda na Itália

Diretor de criação da VMLY&R Itália, o brasileiro Rafael Genu evidencia as peculiaridades do mercado no país europeu


28 de março de 2019 - 6h00

Crédito: Xantana/iStock

Todo profissional de criação se alimenta das mais diversas referências. Muitos buscam na amplitude dos mapas e suas diferentes geografias e culturas o combustível para novas ideias. Um deles é o brasileiro Rafael Genu, hoje diretor de criação da VMLY&R Itália. Com pouco mais de 20 anos de carreira, o publicitário está em sua quarta cidade e terceiro país. Antes de chegar a Milão, trabalhou na rede Saatchi & Saatchi no Rio, em Paris e em São Paulo. No Brasil, também atuou na Leo Burnett Tailor Made, Artplan e na W+K São Paulo. Na 9ª entrevista da série Publicidade Brasileira Tipo Exportação, Rafael compartilha suas percepções sobre as diferenças e peculiaridades entre o país europeu e o mercado brasileiro.

Rafael Genu: “As agências são um pouco mais caóticas do que estamos acostumados no Brasil”

Meio & Mensagem – Como você foi parar em Milão?
Rafael Genu – Para falar a verdade, eu nunca havia pensado em trabalhar na Itália. Um grande amigo me colocou em contato com o CCO da então Y&R na Europa, Jaime Mandelbaum, que por sorte estava entrevistando gente para algumas posições-chave no continente. Falei com ele sobre a minha experiência anterior na França e primeiro tentamos alguma coisa ali. Depois acabou rolando essa vaga em Milão, que era bem interessante. Armei uma viagem para conhecer a agência e fazer algumas outras entrevistas em Paris e Londres, mas a conversa aqui já estava bem adiantada. Fechamos antes mesmo de eu retornar ao Brasil. Dali foram cinco meses de papelada para o visto, porque eu não tenho cidadania europeia e tudo depende do empregador.

Como é o mercado publicitário na Itália?
O italiano é antes de tudo um apaixonado. Procura sempre a beleza das coisas. Não é à toa que a tradução da nossa expressão “seria bom” (seria bom se as coisas fossem assim, por exemplo) para eles é “sarebbe bello”. Essa busca permanente pelo encantamento, pela surpresa, pelo prazer, se reflete na propaganda. Para o bem e para o mal. Não é raro um cliente desdizer seis meses de pensamento estratégico apenas porque se apaixonou por uma ideia (e se esse é um exemplo de “para o bem” ou “para o mal” depende também do planner).

Quais são as maiores diferenças na comparação com o mercado publicitário brasileiro?
A principal diferença é a oportunidade de trabalhar marcas em nível global, mesmo estando em um mercado menor que o brasileiro. Aqui na VMLY&R temos Lavazza. Na Publicis tem Heineken e Diesel, para ficar em dois exemplos. Na JWT tem Campari (que recentemente se transformou em um cliente WPP e amanhã pode fazer uma campanha com outra agência do grupo). Na McCann ainda está Nespresso. Tudo isso em Milão, uma cidade que é do tamanho do centro expandido de São Paulo, mas com quase um milhão de pessoas a menos.

E como é a mídia por aí?
Fora das agências. Trabalhei na França entre 2010 e 2012 e já era assim por lá também. Geralmente, os grandes grupos têm uma empresa que planeja e compra mídia e atende diferentes agências e até alguns clientes, diretamente. No WPP temos a Wavemaker. Por outro lado, com a fragmentação dos canais e a necessidade de aplicar pensamento humano à análise de dados (BI), não é raro ver gente com um sólido background em mídia sendo contratada para desempenhar funções híbridas nas agências.

E a economia e o comportamento de consumo?
O PIB da Itália é praticamente do tamanho do brasileiro, o que configura um volume per capita cerca de quatro vezes maior. Isso dá uma ideia da robustez e da maturidade da economia italiana, ainda que tudo que se leia nos jornais aponte para um cenário de crise e incertezas. O italiano gosta de consumir, de sair de casa e de estar up-to-date com a moda e a tecnologia, o que no final das contas garante um cenário competitivo entre as marcas e permanentemente aquecido, mesmo nos meses mais frios do inverno.

E como são as agências e os publicitários?
Diria que as agências são um pouco mais caóticas do que estamos acostumados no Brasil. Talvez por esse comportamento passional já mencionado anteriormente ou a radical transformação pela qual o mercado de um modo geral está passando, onde os clientes são e estão muito “demanding” e céticos a respeito do real valor daquilo que oferecemos. Os contratos são frágeis e pouco rentáveis, o que torna a busca por new business incessante, e algumas vezes massacrante. Quanto aos publicitários, me parecem ser mais disponíveis do que o necessário e menos comprometidos do que deveriam, dando ao cliente espaço para tratá-los como meros fornecedores e esmorecendo na hora de lutar para uma grande ideia acontecer. Eu prefiro não acreditar em uma velha máxima que diz que o italiano quer o melhor resultado com o menor esforço, mas devo confessar que frequentemente me incomodo com a mania de querer resolver qualquer assunto em cinco minutos.

“O italiano é competitivo e agregador, trabalhador e bon vivant, apaixonado e desconfiado, e assim como o brasileiro convive bem com essas dualidades”

Quais são os grandes cases e agências do país?
Pelos clientes que têm e a qualidade do trabalho que coloca na rua, a Publicis é a referência aqui na Itália. É a agência a ser batida em qualquer pitch ou premiação. Eles funcionam e se comportam como um hub internacional e têm a equipe mais cosmopolita, inclusive com vários brasileiros. A propósito, destaco os trabalhos mais recentes da dupla Vinicius Dalvi (atualmente na Publicis Londres) e Eddy Guimarães para Diesel e Heineken: “Be a follower” e “Unmissable”. Outro filme que me emocionou quando vi pela primeira vez é “Dad” da Ogilvy para a operadora Wind, de 2014.

Há algo que se pareça por aí com o mercado brasileiro?
No final das contas estamos todos diante de uma folha em branco e da necessidade de preenche-la com algo que surpreenda o cliente e o consumidor, certo? Dito isso, é claro que as diferenças saltam aos olhos. Mas, há sim também muitas semelhanças. O italiano é competitivo e agregador, trabalhador e bon vivant, apaixonado e desconfiado, e assim como o brasileiro convive bem com essas dualidades. Pelo que ouço de quem sempre trabalhou aqui, as agências também estão mais enxutas, os salários já foram melhores e as concorrências acabam tomando tempo e energia de quem deveria estar cuidando dos clientes que já estão na casa, criando um círculo vicioso. Outra semelhança é que aqui eles também estão acostumados a trabalhar com pouco budget e buscar soluções criativas em condições adversas, configurando o que Eduardo Paes chamaria de “traquejo”. Não aquele de alguém nascido e criado em Maricá, mas um traquejo.

Como eles enxergam a propaganda brasileira e os publicitários brasileiros?
O mercado italiano ainda é bastante fechado pela barreira da língua e por estar na periferia do eixo Londres-Paris-Amsterdã. Há poucas vagas como a minha, em que não é preciso falar nada além de buongiorno, ciao, grazie e prego. Eles enxergam o mercado brasileiro como altamente desenvolvido, criativo e influente… E estão absolutamente certos. Olham para as coisas que fazemos e se perguntam várias coisas. Como o cliente aprovou essa ideia? Como vocês conseguem esses budgets de produção? Mas, isso foi paro ar assim mesmo? E principalmente… O que você está fazendo aqui?

Quais são as maiores curiosidades do mercado italiano?
Geralmente o que as pessoas querem saber é sobre remuneração e ritmo de trabalho. Dizem que Roma é diferente, mas aqui em Milão se trabalha bastante e intensamente. Como já disse antes, as pessoas são disponíveis até demais, trocam e-mails e mensagens de trabalho no fim de semana, tarde da noite, nada a ver com aquela imagem de uma vida tranquila em que às 17h a caneta cai e você vai tomar um Aperol Spritz na Piazza Duomo. Passei dois anos em Paris sem trabalhar sequer um final de semana e aqui não foram nem dois meses. A remuneração em média é mais baixa do que a brasileira, talvez porque em geral se vive bem com menos. Quanto a Milão, é uma cidade formidável, um pouco menos cara do que Paris, certamente mais affordable que Londres, nem muito grande e longe de ser pequena, com um circuito cultural-artístico interessantíssimo e muitas opções de lazer para adultos e crianças. Tudo isso a no máximo duas horas do mar, lago, montanha, cidades históricas, natureza e até mesmo outros países como a Suíça e a França.

De que maneira a cultura do país se reflete na propaganda?
Além do caráter passional e da busca permanente pelo belo, destacaria outros dois aspectos interessantes. O primeiro é a importância da comida na vida do italiano. É algo realmente sagrado. E cada região tem as suas particularidades, seus ingredientes, seus pratos típicos. Isso se reflete na grande quantidade de marcas do segmento food que anunciam (coisa que já havia sentido na França). Só aqui na agência temos umas quatro ou cinco. O outro aspecto é o político. Também faz parte do jeito italiano de ser. Portanto, ser alegre, gentil, sociável, solícito e fazer as conexões certas pode não só ajudar, mas ainda evita que você vire um ET no meio de tanta gente feliz e de bem com a vida.

Como é trabalhar por aí e o que você tem feito de melhor?
Os clientes aqui estão carentes e em busca de talentos que rompam com a maneira tradicional de fazer propaganda na Itália, mesmo que muitas vezes ainda não estejam preparados para isso. Eu represento um pouco essa visão diferente, de alguém de fora, e tento aproveitar o crédito inicial que me dão para criar uma relação de confiança e ousadia. Fui contratado para tocar a conta global de Lavazza e, no fim do ano passado, depois de um ano e meio de idas e vindas, colocamos no ar a plataforma “More than Italian”, que posiciona a marca como um coffee system, para além do tradicional expresso italiano. Temos outras campanhas para a marca no pipeline, que devem sair até o fim do ano, mas por ora a única outra coisa relevante que ajudei a colocar na rua foi uma campanha de Danone. Foram três filminhos de 15” para Actimel, que estão sendo adaptados para vários países dentro da plataforma global “Stay Strong”.

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