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Opinião

Fugiu dos comerciais com Netflix? Seus dias estão contados

Com o estabelecimento de franquia de dados na rede fixa, como acontece na rede móvel, um número ainda menor de famílias teria capacidade de dispor de serviços de vídeo sob demanda, de baixar conteúdo, de trocar conteúdo


14 de junho de 2016 - 8h30

Há dez anos o projeto Criança e Consumo debate o consumismo infantil, seus impactos ambientais, sociais e econômicos e, principalmente, a abusividade da publicidade dirigida as crianças menores de 12 anos. Nessa década de atuação lutou, também, por regulamentação que proteja as crianças desses apelos comerciais.

E isso calcado nas inúmeras pesquisas de desenvolvimento infantil que nos dizem que as crianças estão em processo de formação e que, em sua maioria, ainda não têm capacidade crítica ou de abstração de pensamento para entender que não há, de fato, qualquer correlação entre um determinado produto alimentício açucarado e um bifinho. Ou que determinado refrigerante não traz amigos, uma família harmoniosa ou momentos prazerosos de qualquer outro tipo. Nossos pequenos não têm as mesmas ferramentas que nós adultos para driblar os incansáveis apelos que lhes são endereçados hoje e, acabam por desejar, incessantemente, o que lhes é ofertado/vendido como alegria, ingresso social ou prazer. E aí temos um grande problema.

Mas eis que nestes dez anos da nossa história muitas vitórias foram conquistadas. O tema entrou na agenda social, a resolução 163 do Conanda de 2014 ressaltou o que já estava previsto em lei sobre a abusividade da publicidade dirigia às crianças e a tecnologia avançou de modo que muitos pais puderam libertar seus filhos da publicidade. Como? Esses pais puderam escolher oferecer conteúdo sem estarem submetidos à publicidade. Isso aconteceu porque a Internet permitiu a oferta de conteúdo audiovisual sob demanda. E também porque a Internet sempre, desde sua criação, foi oferecida por velocidade. Isso significa que não importa se o consumo da rede seria apenas para acessar e-mails (baixo consumo) ou se para ver um filme (alto consumo) adequado à idade da criança, na hora escolhida.

Muitos pais seguem felizes usando o vídeo sob demanda e sabendo que a hora de apresentar a publicidade e seus apelos de consumo chegará e que, nesta hora, haverá uma maior possibilidade de diálogo, esclarecimentos e explicações. Claro que a oferta do vídeo sob demanda não resolve o problema da publicidade direcionada às crianças, seja porque este tipo antiético de comunicação mercadológica não está apenas nas telas e hoje invadiu espaços públicos e até escolas, seja porque apenas 50% dos domicílios brasileiros têm conexão à web. Mas verdade seja dita: é um alento enquanto não vencemos de vez a batalha pelo fim da publicidade direcionada à primeira infância e a efetividade do que já está previsto em nosso ordenamento jurídico.

Porém agora, e aproveitando o caos político instaurado no país, as empresas de telecomunicações anunciaram – unilateralmente – que as conexões de Internet fixa seriam alteradas e que, além da velocidade, o volume de dados seria também estabelecido e, quando alcançado o limite de transferência de dados, a conexão simplesmente cessará. Ou seja, uma das poucas possibilidades de oferecer conteúdo audiovisual às crianças sem ter que submetê-las à nefasta publicidade está com seus dias contados.

Com o estabelecimento de franquia de dados na rede fixa, como acontece na rede móvel, um número ainda menor de famílias teria capacidade de dispor de serviços de vídeo sob demanda, de baixar conteúdo, de trocar conteúdo. Ou seja, este modelo seria ainda mais elitizado e as populações menos favorecidas seguiriam sendo as mais impactadas pelos problemas decorrentes da publicidade dirigida às crianças, tais como obesidade infantil, erotização precoce, consumo precoce de álcool e tabaco, violência e estresse familiar.

As empresas alegam que precisam limitar o uso de dados porque é injusto que mesmo quem consome muito pague apenas pela disponibilidade da conexão na qualidade escolhida. Ora, o que elas dizem é que é injusto pagarmos por canos e infraestrutura quando consumimos muitos dados. Mas é preciso alertar o leitor. Essas empresas não produzem dados. O seu consumo maior de dados não significa um custo maior para a empresa. Os dados tampouco desgastam os cabos. Os cabos desgastam com o tempo, como sempre foi.

Então por que esse discurso infundado agora? Simples. As empresas de telecomunicações perderam a corrida para oferecer serviços que dependem da Internet. Seus aplicativos de vídeo sob demanda naufragam, um após o outro. E como seus acionistas exigem a ampliação da margem de lucro – uma exigência incessante, muito mais agressiva do que qualquer pedido infantil – a solução é penalizar o usuário, o cidadão e as classes menos favorecidas que seguirão com ainda menos acesso.

E o mais incrível é que estas empresas e seus acionistas contam com uma agência reguladora que não pensou duas vezes em dizer que elas estavam certas, que a farra da Internet estava mesmo na hora de acabar. Os pais teriam muito a ensinar à agência de como dizer não. A Anatel, depois da pressão dos cidadãos usuários – aqueles com quem deveria realmente se preocupar – voltou atrás e suspendeu a decisão .

Mas nós, cidadãos, que já temos que lidar com a falta de ética de tanta publicidade direcionada a crianças na TV aberta, nas escolas e onde mais se puder imaginar – contra a legislação, contra a Justiça e a falta de responsabilidade do Estado em fiscalizar – precisamos saber que a ameaça segue rondando, esperando um momento oportuno para passar despercebida.

Se o vídeo sob demanda é hoje um conforto que apenas uma elite pode ter acesso, ela será ainda mais inacessível se as provedoras de Internet fixa conseguirem impor o limite de franquia. E se dessa perspectiva a coisa já parece ruim, imagine se acrescentarmos o impacto na liberdade de expressão, acesso à informação e ao conhecimento que a sanha por lucro das operadoras pode significar. Mas nós, os pais, ficaremos atentos. Certo?

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