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Opinião

O sonho de quem você está sonhando?

A manipulação de dados, a produção de fake news e a violência invadiram o ciberespaço revelando um lado sombrio da natureza humana


14 de maio de 2019 - 15h02

(Crédito: Reprodução)

Voltem para casa e abracem seus filhos”, foram essas as palavras da mãe de Matthew Shepard depois que seu filho de 21 anos foi encontrado amarrado com uma corda de varal em uma cerca de madeira depois de ter sido espancado, torturado violentamente e deixado para morrer por dois jovens da mesma idade em Wyoming, EUA, em 6 de outubro de 1998.

Shepard morreu ao mesmo tempo que a chamada “era da inocência” chegava ao fim na cultura americana. Pouco antes, o presidente Bill Clinton confirmou seu caso com Mônica Lewinsky, assumindo ter assediado sexualmente uma jovem de 22 anos. Pouco depois, os Estados Unidos conheceriam o horror do massacre de Columbine e alguns anos depois o republicano George W. Bush derrotaria o democrata e ambientalista Al Gore em uma eleição que dividiu o país. Em seguida, a organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda sequestraria aviões comerciais e colidiria intencionalmente contra as Torres Gêmeas.

Em outra perspectiva, o país e o mundo experimentavam um período de grande aceleração do desenvolvimento tecnológico com o lançamento do Processador Pentium da Intel, a queda do preço dos computadores, a popularização do Microsoft Windows, a criação do Netscape e do Internet Explorer, a popularização do e-mail, o crescimento do e-comerce com a Amazom.com e o eBay, a criação do Napster e o desenvolvimento dos Sistemas Operacionais Linux

Direitos humanos desrespeitados, preconceito, injustiça, medo, insegurança, antagonismos políticos, desigualdade, descontentamento social, terrorismo, aceleração do desenvolvimento tecnológico, desconfiança. Em resposta, as duas décadas seguintes levaram milhões para as ruas em todo o mundo em ações coletivas onde o uso das redes sociais foi fundamental tanto na organização dos movimentos quanto no combate à censura e na divulgação da verdade.

Vale lembrar Manuel Castells em seu livro Redes de Indignação e Esperança, 2012: “Da segurança do ciberespaço, pessoas de todas as idades e condições passaram a ocupar o espaço público, em um encontro às cegas entre si e com o destino que desejavam forjar, ao reivindicar seu direito de fazer história, a sua história, em uma grande manifestação da autoconsciência que sempre caracterizou os grandes movimentos sociais.”

Vinte anos depois da morte de Mathew Shepard — e de um período em que o silêncio foi rompido e verdades foram reveladas sobre como a organização e os valores sociais vigentes legitimavam tanto a homofobia quanto o racismo, o machismo, a desigualdade e a corrupção — o medo, a desigualdade e a desconfiança cresceram à margem do encontro entre crises econômicas, desemprego e transformações sociais abrindo espaço para a construção de falsas memórias e para o estabelecimento de falsas verdades que passaram a sustentar a ideia de que a resposta para um mundo em conflito estaria no retorno a um lugar de origem onde já estivemos e onde muitos passaram a acreditar que nenhum dos problemas combatidos nas últimas décadas existiu.

Em outra perspectiva, 20 anos depois da morte de Mathew, a impressão 3D ganhou escala e já produz implantes médicos, os microchips que restauram a capacidade do cérebro de produzir memórias de longo prazo já são uma realidade e o aprendizado profundo (deep learning) — método de inteligência artificial que imita a atividade dos neurônios do neocórtex, região do cérebro onde ocorre o pensamento — deixou de ser uma ficção. Ao mesmo tempo, a manipulação de dados, a produção de fake news, a manipulação e a violência invadiram o ciberespaço, revelando um lado sombrio da natureza humana, muitas vezes independentemente de sua tendência ideológica, a desigualdade cresceu e os crimes de ódio continuam matando milhões de pessoas em todo o mundo.

Novamente, precisamos voltar para casa e abraçar nossos filhos, como no convite feito por Judy Shepard em 1998. Desta vez, escolhendo o sonho de quem queremos sonhar e nos mantendo conscientes de nosso papel como líderes, executivos, empresários, influenciadores, criadores e estrategistas. Conscientes de que escolhemos colaborar para a transformação ou para a manutenção de realidades perversas toda vez que optamos ou não trabalhar pelo bem comum enquanto criamos e legitimamos modos de agir, códigos, mensagens e pessoas em nosso processo diário de construção de narrativas e lucro. O sonho de quem você está sonhando agora?

*Crédito da foto no topo: Tookapic/Pexels

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