Opinião

O novo jogo da OnlyFans

Plataforma se aproxima do universo esportivo, vira alternativa aos atletas e desafia marcas a analisarem riscos e oportunidades

Ricardo Fort

Fundador da Sport by Fort Consulting 4 de novembro de 2025 - 6h00

Durante anos, a OnlyFans foi sinônimo de uma revolução digital na indústria do entretenimento adulto, um espaço onde criadores podiam monetizar seu público diretamente, sem intermediários. Mas, em 2025, a empresa britânica tenta algo bem diferente: quer ser levada a sério no mundo dos esportes.

A plataforma vem recrutando discretamente atletas olímpicos e criadores de conteúdo esportivo para compartilhar treinos, bastidores e reflexões pessoais, tudo sem nudez ou material explícito. A estratégia tem dois objetivos: diversificar a base de criadores e aproveitar o potencial de um setor em que autenticidade, conexão com fãs e monetização se encontram naturalmente.

Com raras exceções, a vida dos atletas profissionais não é nada fácil. Fora das grandes ligas, o esporte continua sendo um negócio incerto. Patrocínios são limitados a um pequeno grupo de super estrelas, prêmios variam com o desempenho nas competições e auxílios de federações e governos mudam com o interesse político de quem está no poder. Tudo isso faz com que, muitas vezes, até campeões olímpicos enfrentem dificuldades para sustentar a carreira apenas com o esporte.

A OnlyFans entendeu essa realidade e resolveu oferecer uma alternativa sedutora: um modelo de assinatura direta, que permite monetizar o acesso, não apenas o desempenho.

A alemã Lisa Buckwitz, campeã olímpica de bobsled, usa a plataforma para compartilhar rotinas de treino e dicas de nutrição, sem qualquer conteúdo sugestivo (cobra R$ 130/mês). A canadense Alysha Newman, do salto com vara, publica treinos e bastidores de competições (cobra R$ 70/mês).

Em alguns casos, o acesso ao conteúdo é gratuito, mas a plataforma paga valores fixos ou bônus vinculados ao número de assinaturas, misturando o modelo de influência digital com o de patrocínio esportivo. Os canais da ultramaratonista americana Sabrina Stanley e o surfista brasileiro Pedro Scooby seguem esse modelo, posicionando a empresa como parceira e não apenas como canal. É um sinal de que a OnlyFans pretende deixar de ser apenas um mercado de conteúdo para se tornar um ator relevante na economia do esporte.

Para os profissionais de marketing, essa mudança desperta tanto curiosidade quanto cautela. A OnlyFans é uma marca global, mas não exatamente aquela com a qual as empresas desejam dividir espaço. A associação com conteúdo adulto é forte, e a companhia tem investido pesado na OFTV, seu canal de vídeos “seguros para o trabalho”, disponível nas lojas de aplicativos e livre de pornografia.

Ainda assim, mudar percepções leva tempo. Para cada atleta que celebra a liberdade criativa oferecida pela plataforma, há outro que evita se envolver por receio de danos à reputação ou conflitos com patrocinadores.

A entrada da OnlyFans nesse território expõe um dilema maior que já transforma o marketing esportivo: o equilíbrio de poder entre marcas, federações e atletas. Por décadas, os atletas dependeram de patrocinadores e federações para contar suas histórias e pagar as contas. Agora, plataformas como OnlyFans, e antes dela, YouTube, TikTok, e Instagram, oferecem acesso direto à monetização e à narrativa.

Para os patrocinadores, isso exige uma nova mentalidade. Trabalhar com um atleta na OnlyFans (mesmo com conteúdo totalmente esportivo) pode parecer arriscado, mas também abre portas para públicos que buscam autenticidade. Obriga as marcas a confrontar seus próprios preconceitos: por que celebrar “disrupção” e “creator economy” quando ocorre no YouTube, mas rejeitá-la quando vem da OnlyFans?

Ainda não existe um programa oficial “OnlyFans para Atletas”, mas os movimentos da empresa deixam claro seu interesse em ocupar esse espaço. Se conseguir se posicionar como um canal de histórias esportivas autênticas e assinaturas diretas, pode inaugurar uma nova fase tanto na economia dos criadores quanto no marketing esportivo.

O risco é evidente, mas a oportunidade também. Num mundo em que fãs buscam proximidade e atletas querem autonomia, a OnlyFans talvez esteja oferecendo aquilo que o patrocínio tradicional ainda não conseguiu entregar: uma conexão genuína, mesmo que envolta em controvérsia.