Opinião

Nova York elegeu sua alma gêmea

Campanha de Zohran Mamdani teve a cara da cidade: feita por um imigrante que entendeu que a política é feita de pessoas reais

Giuliano Salvarani

Professor da ESPM e CEO da Baila Politics 5 de novembro de 2025 - 15h36

Um amigo foi viajar para ver seu time jogar o mundial de clubes e acabou se deparando com um fenômeno raro. Ele estava andando em um parque no Brooklyn (bairro de classe média baixa em Nova York), distraído, quando um sujeito lhe estendeu um panfleto. “Vote em mim para prefeito de Nova York”, dizia o papel. Ele agradeceu, guardou o papel e seguiu andando, achando que era mais um entusiasta das esquinas americanas — o equivalente urbano dos pregadores do metrô da Sé.

Dias depois, esse amigo me contou a história. O homem existia, a campanha existia. Ele me deu o panfleto e, de repente, o tal panfleto virou notícia, aula pública, palestra e postagem no Brasil inteiro. Aquele homem era Zohran Mamdani, muçulmano, socialista e tinha cara de quem ainda pagava aluguel. Acontece que ele foi eleito ontem e se tornou o prefeito mais jovem da história de Nova York.

O Partido Democrata, acostumado a campanhas que custam mais do que custaria reformar o Bronx inteiro, acabou fazendo uma obra-prima digital. A campanha de Mamdani teve o que falta às nossas: clareza, coragem e, pasmem, beleza. Ele fez uma campanha com alma Nova-iorquina: feita por um imigrante que sequer nasceu lá, mas aprendeu a falar inglês, tentou ser rapper, virou motorista de Uber e, no fim, entendeu que a política é feita de pessoas reais.

O primeiro acerto foi escapar da armadilha da identidade. Mamdani não pediu voto por ser muçulmano, nem socialista, nem jovem. Pediu voto porque queria “tornar Nova York mais barata”. Simples, direto, e tão honesto que até o republicano cansado do aluguel escutou. Enquanto as campanhas se perdem em rótulos, ele ofereceu uma agenda concreta.

O segundo mérito foi estético. A campanha era bonita, divertida, leve. Enquanto o marketing político brasileiro se enfeia em cards padronizados e jargões típicos da politicagem, Mamdani fez da beleza um ato político. A forma também comunicou para os gays com leque, para as senhoras que bordavam, para os jovens com camisetas descoladas — e a campanha entendeu que a política deveria servir até para quem pensa diferente.

O terceiro mérito foi entender o óbvio que muita gente finge esquecer: rede social não elege ninguém. A rede social é vitrine e o político não é um produto. Quem vota é a rua. A campanha digital do Mamdani serviu de ponto de encontro, não de fim em si. A pessoa via o post, ia para a rua, falava do candidato no café, nos grupos de WhatsApp, e aí a coisa andava.

E o quarto — talvez o mais revolucionário — foi conectar internet e território. Quatro milhões de casas visitadas por meio de voluntários, que bateram de porta em porta e coordenaram suas atividades pelo site da campanha, não por algoritmos. Uma campanha de mobilização digital e territorial, feita com o mesmo vigor das antigas campanhas de base, só que com estética do século XXI.

No fundo, Mamdani venceu porque devolveu à política o que ela tem de mais humano: a conversa. Nem o marketing, nem o big data, nem o storytelling substituem isso.

Talvez haja aí uma lição para o Brasil. Entre nossas campanhas cada vez mais feias, genéricas e conformadas, o exemplo de Nova York mostra que ainda dá para fazer política bonita — no discurso, na forma e na rua. E quem sabe, se aprendermos algo com o Zohran, 2026 nos surpreenda com algo ainda mais raro que um socialista eleito: uma campanha com alma brasileira.