Quando a lógica não é o suficiente
Debate entre razão e emoção reacende discussão sobre o futuro das marcas e da publicidade
Entramos naquela época do ano em que começamos a colecionar os melhores momentos, checar se tiramos do papel nossos planos ao mesmo tempo em que tentamos gerenciar a pilha de demandas que borbulham como se não houvesse amanhã após 31 de dezembro. Um bom parâmetro que eu utilizo para fazer isso é revisitar os livros que eu li ao longo do ano. E, recentemente, me deparei com um texto sobre um livro que devorei ainda nas férias de janeiro cujas reflexões me acompanharam ao longo deste intenso 2025. Trata-se de “Alquimia – O poder surpreendente das ideias que não fazem sentido”, de Rory Sutherland (editora Objetiva).
Vice-presidente do braço britânico da Ogilvy, Sutherland defende, com humor e inteligência, que nem tudo precisa fazer sentido para funcionar. Muitas vezes, é justamente o que escapa à lógica que tem mais potência para gerar impacto. Gosto especialmente de como ele propõe uma espécie de “desexplicação” para mostrar que o nosso mercado tende a confundir racionalidade com inteligência e dados com verdade.
O autor desafia o princípio que rege boa parte das decisões de negócio — o da racionalidade — e propõe um retorno ao terreno mais instintivo e humano da criatividade. Ele nos lembra que o comportamento das pessoas raramente é lógico, e que o valor de uma ideia não está em sua previsibilidade, mas em sua capacidade de surpreender.
Há uma discussão em curso em uma boa parcela do nosso mercado de que a publicidade brasileira, antes sinônimo de ousadia, perdeu parte da emoção que a tornava única. Na busca por eficiência e mensuração, teríamos trocado o encantamento pela performance. Dessa forma, as campanhas se tornaram impecavelmente racionais, mas, em contrapartida, emocionalmente anêmicas.
A lógica da otimização nos traz precisão, mas também nos afasta daquilo que nos torna culturalmente relevantes: a capacidade de criar narrativas que inspiram, mobilizam e tocam. Passamos a falar mais com algoritmos do que com pessoas. E, nesse processo, confundimos previsibilidade com sucesso.
Em abril, Rory Sutherland foi um dos convidados do excelente podcast Uncensored CMO ao lado de Scott Galloway, o renomado palestrante, autor e professor da Universidade de Nova York em um episódio com o sugestivo nome: Scott Galloway vs Rory Sutherland – As eras das marcas acabou? A conversa entre os dois não é apenas um diálogo sobre publicidade — é um confronto entre duas formas de enxergar o mundo e discorrem sobre esse grande dilema contemporâneo que confronta a comunidade do marketing.
Sutherland, por conta de seu livro é conhecido como o “alquimista” da comunicação e defendeu o poder do irracional, do simbólico, do que não se mede mas se sente. Galloway, por sua vez, o analista ácido do capitalismo contemporâneo, aposta em lógica, eficiência e execução: marcas fortes nascem de produtos sólidos, de distribuição impecável e de estratégias tangíveis.
A base da conversa é a tensão que atravessa não somente o mercado global, mas também o coração da publicidade brasileira: o que ainda significa “marca” em tempos de algoritmos, automação e saturação?
Galloway tem sido categórico: a era das grandes marcas, como as conhecíamos, acabou. Para ele, a força simbólica de uma marca — construída por décadas de publicidade massiva — perdeu terreno para a força da execução. O diferencial competitivo hoje não estaria mais na narrativa, mas no produto e na experiência. “Não é mais o que você diz, é o que você entrega.”
Em um país como o Brasil, onde a publicidade sempre teve papel de protagonismo cultural, essa tese soa quase como uma provocação. Por aqui, as marcas não apenas vendem — elas contam histórias, moldam imaginários, criam repertórios coletivos. Se a era da marca acabou, o que sobra de uma indústria que sempre viveu de emoção?
É aqui que entra Sutherland. Para ele, a publicidade precisa recuperar o poder de desafiar o óbvio — de abraçar o inesperado, de provocar espanto. Ele argumenta que, ao perseguir eficiência total, o mercado matou a magia. E que, sem emoção, sem contradição e sem humor, a publicidade perde sua humanidade — e, com ela, sua eficácia.
O Brasil vive o mesmo dilema que Sutherland e Galloway discutem de lados opostos: como equilibrar dados e intuição, lógica e emoção, razão e risco?
A transformação digital ampliou o poder de mensuração, mas também reduziu a tolerância ao erro. As agências e marcas agora precisam provar cada investimento com métricas de curto prazo. O resultado é um ecossistema publicitário que entrega performance, mas raramente propósito.
O ponto de interseção entre ambos — e a verdadeira lição para o mercado brasileiro — está em reconhecer que eficiência e emoção não estão em lados opostos: são dimensões complementares de uma mesma equação estratégica.