Colaboração e propósito vencem quando a IA reescreve as regras
Reflexões do SXSW Sydney 2025 sobre o paradoxo que define nossa época: a tecnologia torna tudo mais fácil, exceto trabalhar juntos
Existe um momento específico em que você percebe que está testemunhando não uma mudança gradual, mas uma ruptura estrutural. Para mim, foi quando ouvi de sir Martin Sorrell, fundador e ex-CEO do grupo WPP Global, que um comercial que antes custava US$ 2,5 milhões pode agora ser produzido por US$ 500 mil e em um quarto do tempo com recursos de IA.
A promessa de eficiência radical dos modelos de linguagem generativos já é uma realidade. Mas enquanto eu processava esse dado, outro me atingiu com uma força oposta: uma pesquisa mostrou que 70% das pessoas não ajudariam alguém com visão política diferente da delas. O paradoxo não poderia ser mais brutal: a IA democratiza o conhecimento ao mesmo tempo em que nos tornamos mais isolados e incapazes de colaborar.
Passei a semana em Sydney tentando entender esse paradoxo. Por que hierarquias baseadas em “eu sei, você não sabe” estão morrendo (afinal a IA democratizou o conhecimento; nos dias de hoje ninguém mais controla informação), mas nossa capacidade de trabalhar juntos está em colapso? A resposta a que cheguei não é muito agradável: estamos buscando uma otimização para a eficiência individual em uma época em que o foco deveria estar em uma colaboração “radical”. Estamos treinando profissionais para usar IA e ganhar produtividade, mas não estamos preparando ninguém para navegar a complexidade que é construir algo significativo com outros — como nós, humanos, imperfeitos.
O que mais me incomodou foi descobrir que a IA está criando uma geração inteira do que chamaram de vipers – profissionais que entregam trabalhos polidos, mas não sabem responder a perguntas técnicas básicas. E aqui está o problema sistêmico que ninguém quer admitir: se eliminarmos todos os cargos júniores (70% dos CEOs australianos acreditam que isso vai acontecer), de onde virão os profissionais seniores?
Não é sobre preservar empregos por nostalgia, é sobre entender que experiência não se baixa como uma atualização do sistema operacional do seu celular.
Mas a provocação mais incômoda veio de outro ângulo: em um mundo onde 275 interrupções diárias destroem qualquer possibilidade de atenção profunda, onde comerciais baratearam a um quinto do custo anterior e agora demandam um quarto do tempo anterior para serem produzidos, onde algoritmos substituirão entre 200 mil e 250 mil pessoas só em media planning – qual é o trabalho que resta para humanos?
A resposta é o “trabalho que exigir sermos profundamente e vulneravelmente humanos”. Construir confiança, colaboração e criar significado coletivo.
O conceito que carrego de Sydney é o de grounded leader. Na prática, significa parar de fingir que temos respostas para tudo. Significa filtrar o que importa em meio ao tsunami de informação que recebemos diariamente. Significa falar como gente normal, não como um robô corporativo recitando jargões a torto e à direita. Significa criar um ambiente onde as pessoas não tenham medo de errar, porque o erro é parte da inovação. E significa estar disposto a testar coisas novas constantemente, porque o que funcionou até aqui já não funciona mais.
A década da desorientação não é sobre IA substituir humanos. É sobre estruturas que funcionaram por décadas virando obsoletas em meses. É sobre descobrir que a eficiência individual não resolve a complexidade do todo.
Voltei de Sydney com uma convicção: IA reescreveu as regras, mas a pergunta relevante não é “o que IA faz melhor que humanos?” A pergunta relevante é “o que só humanos com os humanos fazem?” E a resposta não está em competir com máquinas em eficiência. Está em construir o que máquinas não constroem: confiança, colaboração e significado.
Como o que foi dito por aqui sobre resolver a crise do ozônio e o apartheid: não há como resolver problemas atuais sem aprender a colaborar em escala que nem conseguimos imaginar. Na década da desorientação nos será exigida uma escolha: jogar sozinho otimizando eficiência individual, ou jogar junto construindo capacidade coletiva que nenhuma IA replica. Minha aposta é que quem escolher jogar sozinho não sobreviverá à próxima década.