Opinião

É possível construir um futuro promissor só com os nossos pares?

Lidar com o diverso causa desconforto, mas a inovação não é algo que surge num ecossistema de iguais

Hóttmar Loch

Cofundador da Nohs Somos 5 de novembro de 2025 - 14h00

Me lembro de uma conversa que tive com a Mafoane Odara sobre a relação direta entre desconforto e inovação. Ela me disse algo super relevante: “A inovação sempre vem acompanhada de um certo incômodo, porque nos obriga a lidar com o desconhecido”. E é isso.

Pense em quando você precisa testar um novo software: no início ele parece promissor, mas, quando o prazo aperta, a tendência é voltar ao velho conhecido. O novo exige paciência, exige tempo e sustenta o desconforto. E reconheço que a Mafoane estava certa: há um desconforto natural em lidar com a inovação, porque ela nos tira da previsibilidade e da zona de conforto.

Trabalhar com pessoas que pensam diferente tem o mesmo efeito. Exige segurar o impulso de querer estar sempre correto, de querer a eficiência imediata, de querer apenas o conforto das semelhanças. Mas, se nossa visão é construir algo promissor, algo que vá além dos círculos confortáveis, a pergunta precisa mudar: Você está formando um ecossistema de iguais ou abrindo espaço para a diferença?

O desconforto como caminho, não como obstáculo

O desconforto é um caminho, não um obstáculo. E a cultura de inovação e pertencimento nasce justamente nesse ponto de tensão: quando nos abrimos para o que não conhecemos. E não se trata apenas de “olhar para quem discorda completamente”, mas trata-se de buscar o ponto de encontro, aquele 30% de concordância onde algo novo pode ser construído.

Uma pesquisa publicada pela Science Advances (2023) mostrou que, ao analisar as redes sociais e políticas, as pessoas que mais se engajam em conversas produtivas não são as que pensam igual, mas as que compartilham alguns valores comuns, mesmo discordando em outros pontos. Em outras palavras, a distância entre nós e quem mais discordamos é, muitas vezes, menor do que imaginamos.

E é justamente aí que mora o espaço da diplomacia: na arte de criar pontes, em vez de trincheiras. Afinal, a política, no sentido mais nobre da palavra, não é sobre “convencer o outro”, mas sobre encontrar caminhos comuns para agir em conjunto. Em ambientes onde apenas quem pensa igual participa, o “sentir-se pertencente” vira abrigo e não ponte.

Evidências brasileiras e globais

No Brasil, essa dinâmica ganha relevância adicional se considerarmos o cenário da inovação: segundo o Índice Brasil de Inovação e Desenvolvimento (IBID) 2025, o País ainda enfrenta desafios estruturais na difusão da inovação. O relatório mapeia 80 indicadores que mostram onde estamos e para onde precisamos ir.

Por exemplo: o país figura na 50ª posição no ranking global de inovação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em 2024. Essas desigualdades nos dizem algo importante: inovação não é tarefa apenas individual ou restrita a círculos fechados. Ela floresce quando diferentes olhares se conectam.

E o pertencimento — o sentir-se parte — ajuda a manter o impulso de inovar. Estudos internacionais indicam que ambientes organizacionais que promovem o sentimento de pertencimento têm menos burnout e melhor desempenho.

Pertencimento, diferença e inovação

Quando falamos de pertencimento e comunidade, falamos do combustível da inovação. Em pesquisa publicada pelo Center for Creative Leadership, o senso de pertencimento, de sentir-se conectado, apoiado e respeitado, é apontado como um dos maiores preditores da inovação e desempenho organizacional.

Já o O.C. Tanner Institute descobriu que trabalhadores que enxergam seu local de trabalho como uma comunidade apresentam 75% menos burnout, 56% mais desempenho. Esses dados confirmam o que a prática mostra: pertencimento não é sobre se sentir igual aos outros, mas se sentir parte de algo maior, mesmo sendo diferente.

Esse sentimento floresce em ambientes onde as pessoas são encorajadas a se expressar, mesmo que pensem diferente. A diversidade, nesse contexto, deixa de ser fim e passa a ser consequência natural de uma cultura que valoriza diferenças cognitivas, criativas e de visão de mundo.

O perigo da concordância total é simples: em ambientes onde todos pensam igual, a sensação de harmonia pode parecer confortável — mas também é terreno fértil para a estagnação.

Conflito que vira diálogo

Um estudo da Harvard Business Review (2022) apontou que equipes com alta homogeneidade de pensamento tendem a cometer 30% mais erros estratégicos, simplesmente porque ninguém questiona premissas. Por outro lado, times que estimulam conflitos construtivos têm mais chances de encontrar soluções criativas e antecipar problemas.

(Nota: para o mercado brasileiro, o entendimento qualitativo deste dado reforça a importância de investir em cultura e processos, mesmo que o estudo seja internacional).

Ou seja: o verdadeiro pertencimento não elimina o conflito, ele transforma o conflito em diálogo. Essa é a essência de uma cultura organizacional promissora: criar ambientes onde as pessoas sintam-se seguras para discordar e, ainda assim, se sintam pertencentes.

Comunidade como prática, e não discurso

A maioria dos profissionais hoje reconhece a importância da comunidade dentro do trabalho. Segundo o Global Culture Report 2023, da O.C. Tanner, 76% dos colaboradores afirmam que o ambiente de trabalho deveria funcionar como uma comunidade.

Quando isso acontece, as conexões se fortalecem, a troca de perspectivas aumenta e a inovação se torna consequência. Mas comunidade não é grupo de afinidade nem happy hour corporativo: é um espaço de construção conjunta, onde o aprendizado se dá pela diferença, não pela semelhança.

É o terreno fértil para que o novo floresça sem que o medo o sufoque.

O que o discurso corporativo esquece

No fim, tudo volta ao diálogo. O mundo corporativo fala muito sobre “transformação”, “agilidade” e “inovação” mas esquece que nenhum desses conceitos acontece de verdade sem pessoas que saibam sustentar conversas difíceis. Não há inovação sem escuta. Não há pertencimento sem espaço para a diferença. E não há futuro promissor construído apenas entre iguais.

Então volte à minha pergunta original e transforme-a em ação: Você está liderando para reforçar o conforto dos seus pares, ou para expandir as possibilidades do coletivo?

Se estivermos dispostos a concordar em apenas 30%, e trabalhar o resto com curiosidade, respeito e escuta, talvez esse seja o bastante para começar algo verdadeiramente transformador.