PL do VOD: é preciso reconhecer os criadores de conteúdo
Economia criativa brasileira ganha escala com plataformas abertas e novos protagonistas que unem tecnologia, representatividade e empreendedorismo
O audiovisual brasileiro vive um novo ciclo. De expressão artística, passou a ser também motor econômico, campo de inovação e instrumento estratégico e democrático para comunicação e negócios. A revolução digital deslocou câmeras e roteiros dos grandes estúdios para casas, salões e salas de aula — transformando vocações individuais em empreendimentos e ampliando as fronteiras da cultura.
O avanço das plataformas abertas democratizou a produção e a distribuição de conteúdo. O que antes dependia de grandes estruturas hoje cabe na palma da mão. No Brasil, esse movimento multiplicou vozes, diversificou linguagens e deu origem a uma economia criativa popular, descentralizada e em expansão.
A possibilidade de criar vídeos de onde estiver abriu portas para que criadores de diferentes lugares do país pudessem contar suas histórias, suas próprias versões de diferentes “Brasis”. Na criação e no consumo de conteúdo por vídeo, brasileiros e brasileiras colaboram ativamente na valorização e disseminação da cultura local, prova de como a tecnologia fortalece o orgulho regional e contribui para o desenvolvimento de identidades.
Segundo dados internos do YouTube, 85% do consumo de conteúdo dos canais locais vem do Brasil. A plataforma ajuda os brasileiros a terem orgulho de seus sotaques, suas origens e suas bagagens culturais e 81% dos usuários concordam que conseguem encontrar conteúdos que refletem sua cultura e perspectiva no YouTube na plataforma, que não só reflete a diversidade brasileira, mas empodera comunidades, de acordo com levantamento da Oxford Economics.
O debate sobre o PL do Streaming (VOD), em discussão no Congresso, pode definir os rumos desse ecossistema. A regulação é necessária, mas deve reconhecer o criador digital como agente cultural e econômico — não apenas como produto de mercado.
Os criadores digitais já movimentam bilhões e geram milhares de empregos. Segundo o Relatório de Impacto do YouTube 2024, o setor contribuiu com R$ 4,9 bilhões para o PIB nacional e criou 130 mil postos de trabalho diretos e indiretos. Esses são números que refletem o ecossistema empreendedor dessas startups do entretenimento independente do audiovisual brasileiro. O número de canais que faturam mais de seis dígitos por ano cresceu 30%.
Essa dinâmica de crescimento e faturamento é sustentada por um modelo de negócio que mudou o mercado ao implementar o compartilhamento de receita com quem cria. Mais da metade do que é arrecadado com publicidade e assinaturas é repassada a criadores, artistas e empresas de mídia.
Impulsionado por um modelo que deu origem a um retrato dinâmico da economia criativa brasileira, o ecossistema de conteúdo digital demonstra um profundo impacto social e econômico. Globalmente, a plataforma se consolidou como o segundo maior contribuidor para a criação de conteúdo, pagando mais de US$ 32 bilhões a parceiros em 2024, conforme a KPMG.
O País já soma 20 milhões de criadores de conteúdo, segundo a FGV, dos quais 1,5 milhão vêm das periferias (Creators de Favela – YouPix, Datafavela Instituto Locomotiva). Além disso, a internet é a principal fonte de trabalho para 62% dos residentes em favelas, com 73% enxergando o empreendedorismo digital como o caminho mais acessível para melhorar de vida.
Além do empreendedorismo, o impacto se estende a outras áreas essenciais, como no campo musical e educacional, revelando o poder de inclusão do audiovisual digital por meio de histórias que unem tecnologia, criatividade e propósito social.
São histórias que unem tecnologia, criatividade e propósito social, e que revelam o poder de inclusão do audiovisual digital. Como observa John Deighton, professor da Harvard Business School, os criadores independentes mudaram a lógica da mídia: o público escolhe o que quer assistir, e o modelo centralizado da TV cedeu lugar a um sistema aberto e plural.
Reconhecer a força dos criadores é reconhecer a vitalidade do Brasil. Eles não produzem apenas entretenimento, mas trabalho, autoestima e pertencimento. O audiovisual que nasce das plataformas digitais redesenha o mapa econômico e simbólico do país — e mostra que o futuro da economia criativa já está em curso.
O risco de um retrocesso está na desvalorização desse ecossistema. O reconhecimento formal e a diferenciação dos criadores digitais (a sua maioria pequenos empreendedores) no PL do VOD não é um favor; é o alicerce para que o Brasil continue colhendo os frutos sociais e econômicos que milhões de criadores já estão gerando. A política pública precisa acompanhar a revolução que o país já vive.