Opinião

O supercriativo

De que tipo de criatividade falamos quando os gigantes da publicidade nos vendem a promessa de que basta definir um objetivo para que a tecnologia faça o resto?

Sergio Gordilho

Co-presidente e CCO Africa Creative 4 de novembro de 2025 - 14h00

Vivemos um tempo em que a maré já não obedece a bússolas. Cada onda que nos atinge traz uma revolução dentro de si. O futuro se desenha sem a certeza de onde vamos aportar, no Cabo da Boa Esperança ou no das Tormentas. Mas uma coisa é certa: as grandes revoluções digitais que estamos navegando não são apenas tecnológicas. São culturais.

A inteligência artificial (IA), os dados em tempo real, o comércio digital e a fragmentação das audiências redesenharam a maneira como pensamos, criamos e nos relacionamos com o mundo. Quando a cultura muda, a criatividade muda junto.

E essa conversa é urgente. Um estudo da Harvard Business Review mostra que 83% dos líderes globais acreditam que a ascensão da IA tornará a criatividade ainda mais crucial para o sucesso, um número maior do que há cinco anos. Pesquisas da WARC e da Kantar, já citadas pelo Meio & Mensagem, revelam que marcas que assumem riscos criativos têm margens de lucro quatro vezes maiores do que aquelas que preferem a segurança.

Ou seja: criatividade nunca foi tanto farol.

Mas de que tipo de criatividade estamos falando quando os gigantes da publicidade digital nos vendem a promessa de que basta definir um objetivo e um orçamento para que a tecnologia faça o resto? A criatividade que emociona ou a que irrita?

Criatividade nunca foi filha da ordem. É filha do tropeço. Ninguém se casa com a primeira paixão. Ninguém se encontra no primeiro emprego. Ninguém acerta no primeiro roteiro. São os erros que fertilizam o solo criativo. E a tecnologia, sabemos, tem aversão ao erro.

Ainda bem que, sempre que a correnteza muda, há quem descubra uma nova remada. Nesse vendaval de silício e código, nasce um casamento possível entre a capacidade criativa humana e as infinitas possibilidades da tecnologia.

Dessa união surge o supercriativo.

Um novo tipo de profissional, híbrido por natureza. Mestre do Midjourney, ChatGPT, Runway, Veo. Um maestro de ferramentas invisíveis, capaz de enxergar padrões únicos, testar hipóteses não exploradas, acelerar ideias complexas e transformar inteligência artificial em inteligência criativa.

O supercriativo herda o poder ancestral do tropeço. Continuará errando, mas agora com asas maiores, porque tem a tecnologia como parceira de voo. Com algumas centenas de dólares, consegue fazer o que antes era impensável. Mas não se engane: ele não sai barato. Não busca apenas um contracheque. Busca propósito. Busca coragem.

E, sinceramente, não sei quantas agências estão prontas para recebê-lo.

O tanque do supercriativo não se abastece na encruzilhada do medo. Ele se enche quando enfrenta a tempestade de frente. As agências que entenderem isso, que erguerem navios de coragem, derem púlpito à tecnologia e velas à imaginação, serão as que atrairão esse novo ser.

Um ser capaz de moldar culturas, criar valor para marcas e deixar sua marca na história.

A boa notícia é que o supercriativo já está entre nós. Não veio para substituir. Veio para expandir.

Mas, se você não colocá-lo no seu bote, não é que vai perdê-lo, é que ele vai passar por cima de você.