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O que nos espera?

É hora da sua marca (ou a do seu cliente) ser criativa, prudente, transparente e, acima de tudo, solidária. Pequenos prejuízos financeiros agora podem retornar na forma de enormes ganhos de confiança no futuro, seja lá qual for o cenário


24 de março de 2020 - 9h28

(Crédito: Arte Meio & Mensagem)

Claro que o assunto não poderia ser outro (disclaimer: escrevo no dia 15, uma semana antes deste artigo chegar até você). Sim, veremos diversas modificações de rotinas e comportamentos que vão impactar o uso da tecnologia no curto prazo. Mal comparando, será como Hong Kong na epidemia de Sars em 2003: o tempo de uso no domicílio explodiu, passando de pouco mais de 12 horas para mais de 22 horas (para colocar o leitor no contexto, o Brasil só atingiu esta marca em 2006). Atualmente, já estamos conectados por muitas horas, e, mais do que um aumento do tempo (que vai ocorrer também), acredito em um aumento na variedade do uso: muita gente que não experimentou delivery online, reuniões virtuais, ensino a distância e outras formas de serviços e comércio digital vai passar a ter um estímulo adicional para quebrar esta barreira. Mas isso é óbvio.

“A doença é o lado sombrio da vida, uma cidadania indesejada. Todos nascemos com dois passaportes, do reino da saúde e do reino da doença. Preferimos usar o bom passaporte, mas cedo ou tarde cada um de nós é obrigado, ao menos por um período, a nos identificarmos como cidadãos daquele outro lugar”

– Susan Sontag, A Doença Como Metáfora”

O que também sabemos, com alguma certeza, é que diferentes países serão afetados de maneira diferente. Em um estudo sobre as consequências econômicas das pandemias, o economista de Harvard, Robert Barro, verificou que elas são a terceira causa mais comum de depressões, atrás somente de guerras e crises financeiras. Mas não atingem igualmente todas as nações: entre 1918 e 1920, a gripe espanhola foi responsável por uma queda de até 24% no PIB de alguns países (Canadá) e mais de pouco mais da metade (14%) em outros (Estados Unidos). Curiosamente, a Espanha foi um dos países menos afetados.

Mas, para além dessas alterações pontuais, quais serão as consequências mais profundas do coronavírus, supondo que, de fato, seja um acontecimento de magnitude comparável com outras pandemias seculares (peste bubônica, sarampo, gripe espanhola)? É óbvio que não tenho a resposta, mas uma ferramenta de análise de cenários bastante conhecida pode ajudar. Refiro-me à metodologia da Shell, desenvolvida nos anos 1970 e constantemente atualizada até hoje.

Claro que este é um exercício de discussão coletiva, de longa maturação, exatamente o contrário do que faço aqui (escrevo “em cima do laço”, no silêncio solitário do meu escritório). E parte de uma premissa médica, a qual como leigo só posso reproduzir: até o momento, as melhores informações e projeções indicam que o pico dos infectados ocorre entre 60/90 dias depois dos primeiros casos detectados e vai, gradualmente, decrescendo. Com esse pano de fundo, podemos pensar em dois grandes eixos sobre a pandemia, refletindo relatos passados, como o Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe, sobre a vida em Londres em 1665, durante a peste negra ou análises mais acadêmicas sobre os efeitos econômicos da gripe espanhola ou da epidemia de Sars na China. Esses eixos são o da reação coletiva e o da reação institucional. Eles permitem quatro cenários distintos:

a) Os governos e as entidades multilaterais respondem de forma colaborativa ao problema, oferecendo estímulos financeiros e fiscais para empresas em dificuldade e a população não só reconhece isso como colabora de forma ativa, evitando o pânico. É o melhor cenário possível;

b) Os governos respondem de forma adequada (a), mas a população entra em pânico, aprofundando e alongando no tempo as consequências negativas para a economia;

c) Os governos fecham fronteiras, dificultam o comércio internacional, estimulam o preconceito contra estrangeiros, minimizam a gravidade da crise e procuram fazer um uso político-eleitoral da epidemia, mas a maior parte da população permanece calma;

d) Além da reação negativa dos governos (c), a população entra em pânico. É o pior cenário possível.

Cada cenário desses vai exercer pressões diferentes sobre a estrutura da competição de cada mercado (obviamente, é um exercício que não cabe aqui, mas a figura no topo, adaptada de alguns trabalhos que desenvolvo, pode ajudar você a pensar um pouco).

É importante notar também que o impacto nas cadeias de distribuição vai obrigar muitas empresas de varejo a buscarem produtos substitutos ou resistirem à tentação do aumento de preços caso tenham estoques. Conforme relata Defoe na obra citada anteriormente, os mercadores foram os que mais sofreram do ponto de vista econômico: navios com marinheiros e mercadorias inglesas não eram aceitos em nenhum porto, da mesma maneira que não podiam adentrar no Tâmisa embarcações vindas de Espanha e Portugal. Em termos de comunicação, é claro que as marcas que se posicionarem de forma solidária com o isolamento social, com valores comunitários e principalmente com as dificuldades das pessoas mais vulneráveis, como os idosos, sairão mais fortes. Como a Woolworths, uma rede de supermercados da Austrália, que anunciou um horário exclusivo de compras para pessoas idosas e com deficiência, antes que as lojas abram para os demais clientes.

É hora de a sua marca (ou a do seu cliente) ser criativa, prudente, transparente e, acima de tudo, solidária. Pequenos prejuízos financeiros agora podem retornar na forma de enormes ganhos de confiança no futuro, seja lá qual for o cenário. Boa sorte!

P.S. Minha carreira atravessou a maxidesvalorização do Delfim, Plano Cruzado, hiperinflação do Sarney, Plano Collor, atentado do World Trade Center, quebra do Lehman Brothers e o Mundial do Corinthians, entre outros eventos altamente improváveis. Esta crise também vai passar. No meio tempo, cuide-se.

*Crédito da foto no topo: iStock

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