Wall Street: as redes sociais nunca dormem

Buscar

Wall Street: as redes sociais nunca dormem

Buscar
Publicidade

Opinião

Wall Street: as redes sociais nunca dormem

O momento decisivo na saga da GameStop foi quando a dinâmica das redes se encontrou com a dinâmica da cobertura dos meios de comunicação de massa


19 de fevereiro de 2021 - 14h02

(Crédito: iStock)

Um dos primeiros exemplos da escala global do poder da combinação de redes sociais e tecnologias digitais sobre o caixa de uma empresa ocorreu em 2009, quando um músico teve sua guitarra quebrada em um voo da United Airlines e resolveu musicar no YouTube sua odisseia para conseguir uma indenização. O valor de mercado da United caiu cerca de 10% ao longo das semanas seguintes — claro que não somente por causa do clipe, mas sua explosão de audiência amplificou problemas cíclicos que a empresa enfrentava.

Episódios semelhantes aconteceram durante anos, mas nenhum deles resultou em uma ruptura capaz de provocar tumultos nos mercados financeiros. Mas, nas últimas semanas, estivemos bem perto disto quando grupos de pequenos investidores, reunidos através de fóruns nas redes sociais, resolveram apostar contra alguns fundos de investimento que apostavam na queda das ações da GameStop, uma decadente varejista de jogos de computador nos EUA (sim, sei que tem muita “aposta” nessa frase, mas, no fundo, o mercado financeiro é isso: um grande cassino construído ao redor das roletas das dívidas). Não tenho espaço para todas as tecnicalidades aqui, mas, basicamente,
os fundos alugam ações de empresas em dificuldades e ganham dinheiro quando essa queda se concretiza. Esse sempre foi um mercado dominado por poucos e grandes players, pois o retorno (ou o prejuízo) pode, facilmente, chegar na casa de centenas de milhões de dólares.

Mas o crescimento no número de investidores individuais nos mercados acionários e a rapidez com que eles conseguem se organizar, propiciada pelas redes sociais digitais, permitiu que criassem uma pressão de compra que levou a ação da GameStop, cotada em pouco mais de US$ 10 em outubro do passado, para U$ 350 no final de janeiro. O resultado foi um prejuízo de US$ 2,7 bilhões apenas em um único fundo, que teve que ser “socorrido” para evitar uma quebradeira generalizada no setor.

Curiosamente, o mercado financeiro pode aprender muita coisa com os profissionais de comunicação que andaram envolvidos com redes sociais nos últimos anos. Quando observamos em detalhes o que aconteceu no episódio da GameStop, encontramos a mesma dinâmica dos grandes cases de marketing em mídia social. Não são necessariamente os indivíduos com maior número de conexões que iniciam esses movimentos, mas sim pessoas que possuem um alto investimento emocional no tema — no caso da GameStop, investidores que pregavam nos fóruns especializados “vingança” contra os “manipuladores” e “tubarões” do mercado.

Pela sua persistência, esses pequenos “evangelistas” acabam despertando a atenção de organizações de mídia que cobrem um assunto (neste caso, sites especializados) e é através deles que outros indivíduos “legitimam” o tema. Neste momento, se os chamados “influenciadores” começam a se manifestar, surge o que chamamos de “cascatas de opinião” . Se este fluxo pega tração na mídia clássica, mais pessoas irão se manifestar nas redes sobre o assunto, criando um mecanismo de retroalimentação que é muito difícil de ser quebrado.

O momento decisivo na saga da GameStop foi quando a dinâmica das redes se encontrou com a dinâmica da cobertura dos meios de comunicação de massa — o que é nitidamente demonstrado pela evolução das cotações comparada com o volume de atividade nas redes e o número de matérias na mídia*. Isto não é novidade para quem trabalha com marketing, mas pode ser uma surpresa para quem vive no mercado financeiro ou nos departamentos de relações com investidores. A batalha entre “comprados e vendidos” na Bolsa de Valores não é mais uma luta entre iguais, no sentido que contavam com as mesmas fontes de informação. A democratização das finanças através das fintechs e seus aplicativos, combinada com as dinâmicas das redes sociais digitais, trouxe a “guerra assimétrica” com a qual já estamos acostumados no marketing para dentro do mercado acionário. Mais uma boa oportunidade para você demonstrar o valor da comunicação para seu diretor financeiro.

* Agradeço ao Manoel Fernandes, da Bites Consultoria, pela coleta dos dados sobre o caso da GameStop

*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/iStock

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Como os selos ambientais conferem valor e credibilidade às marcas

    Pesquisa do Instituto Quantas aponta que há a percepção de que esse tipo de certificação tem tanta relevância quanto o desempenho do produto

  • Da inteligência artificial à inteligência real

    Construir o futuro que está emergindo não está somente nos dados, ou nas quase mil páginas do report de tendências da Amy Webb