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Opinião

De agências a agentes

Como dados serão commodity, mercado verá migração de grandes estruturas de agências integradas para hubs estratégico-criativos mais enxutos, nos quais o grande diferencial é a criatividade


27 de abril de 2021 - 13h39

(Crédito: your_photo/iStock)

No artigo anterior busquei retratar um mercado que se renova, através da transformação das agências às novas demandas. Agora exploro algumas dessas necessidades do ponto de vista dos clientes e que acabam por pautar essa renovação. O que está por trás do in-housing? Por que as consultorias são vistas como ameaça?

Entender essas motivações pode ajudar a vislumbrar oportunidades que talvez estejam sendo pouco exploradas, e reforçar a oferta de valor percebida nas agências. Um dos aspectos da renovação provocada pelos clientes é o in-housing. Entretanto, mais do que temer esse movimento, vale as agências entenderem por que ele acontece, suas motivações. Sem dúvida, um dos grandes motivadores é a corrida pela maturidade em dados, por desenvolver uma inteligência própria, cujo objetivo reside em focar esforços em construir a estratégia de dados, ao invés de comprá-la. Mas essa corrida não acontece de maneira uniforme nas diferentes empresas e depende de algumas variáveis, como o estágio de maturidade de cada uma, o seu tamanho e o setor onde atua.

Pela nossa experiência assessorando concorrências, as empresas se dividem em, ao menos, três estágios de maturidade em dados. 1) Empresas focadas em produtos, que ainda não desenvolveram uma fonte de dados própria. Costumam ter muitos silos internos e, por isso, têm múltiplos interlocutores externos, que atendem a suas diferentes áreas. Daí surge o desejo por uma agência integrada, que resolva tudo através de um único interlocutor. 2) Empresas que entenderam a necessidade em criar relações diretas com seus consumidores, através do processo de digitalização que permite a coleta de dados do seu e-commerce que, por sua vez, alimenta o seu hub de dados próprio ajudando a consolidar sua inteligência interna. O esforço em entender o consumidor exige a unificação da estratégia de dados através de diferentes áreas da empresa, rompendo com os silos internos. Com isso, demanda por uma agência integradora, capaz de oferecer apoio estratégico e orquestrar a execução com plugins externos. 3) Nativas digitais, que já nasceram como serviço e contam com uma alta maturidade em dados, capaz de oferecer uma relação mais personalizada a seus consumidores, associada à sua sofisticada inteligência interna. Praticamente tem tudo dentro de casa e o que busca nas agências é a grande ideia, o poder da criatividade que consiga traduzir em insights os dados que compartilha.

Ao longo dessas três etapas o que vemos é uma migração de grandes estruturas de agências integradas para hubs estratégico-criativos mais enxutos, nos quais o grande diferencial é a criatividade, a capacidade de transformar dados em insights, já que com o tempo os dados virarão commodity. Está claro que a capacidade criativa sempre foi, e seguirá sendo (talvez ainda mais fortemente) o maior valor das agências. Já fui cliente e sei da intensidade que se vive pensando no próprio negócio, analisando a concorrência e se comparando com o mesmo setor. Dentro do cliente facilmente desenvolvemos a visão túnel, que aprofunda, mas que acaba por celebrar a previsibilidade. Raramente olhamos para o lado, para outro setor como uma oportunidade. A vivência em diferentes setores de clientes, problemas e realidades faz com que a agência possa fazer analogias e criar ideias fora do usual, fazendo uso da sua inteligência contextual, importante aliada na sua oferta de valor, que soma a visão lateral da criatividade à profundidade que o cliente já tem.

No entanto, ainda que a visão lateral seja bem-vinda, os clientes pedem a interferência mais vertical das agências em seus negócios. Para ilustrar, destaco três principais demandas repetidas na maioria das concorrências que assessoramos: proatividade, agilidade e entendimento do negócio. O foco no negócio é mais um dos estímulos para internalizar estruturas, por oferecem muita agilidade tanto na execução, quanto na identificação de oportunidades de negócio.

Outra motivação para o in-housing é a, muito falada, economia que gera. No entanto, é preciso dizer que um dos efeitos colaterais ao montar operações dentro de casa é a tomada de consciência do seu custo, junto com seus desafios. Enquanto está na agência, o cliente desconhece o valor que demanda uma operação digital, por exemplo. Ao internalizá-la, este investimento não só passa a ser evidente como traz com ele uma série de desafios, como retenção, capacitação e atração de talentos. E, como tudo na vida é cíclico, em algum lugar no futuro talvez haja um retorno de parte dessa estrutura às agências. Se isso acontecer, é provável que o ganho de consciência do quanto ela realmente custa (não apenas de recursos financeiros, mas humanos) ajude a equalizar melhor a relação entre a remuneração da agência e o escopo de trabalho do cliente, nem sempre bem ajustada.

Mas entre uma agência interna e uma externa está o modelo de contratação comum nas consultorias, conhecido por implant — em que o colaborador é da consultoria, mas fica alocado dentro do cliente. E a vantagem que esta configuração oferece está simbolizada pela frase que ouvi de um cliente espanhol, diretor do banco BBVA, quando estávamos auxiliando a sua concorrência global: “A diferença entre a consultoria e a agência é que a consultoria está aqui. A postura é de vender algo novo todos os dias, porque identificam nossas necessidades”. A questão aqui não é a de pensar nas consultorias como uma ameaça, mas a de entender o ponto de vista do cliente, o que ele valoriza, para inspirar a busca de caminhos viáveis nessa transformação. Esta postura de se aproximar do negócio tem provocado uma revisão na formação das equipes por parte das agências, desenvolvendo unidades para os clientes que os atenda de forma mais ágil e proativa, ao mapear suas demandas. São os conhecidos squads, realidade na operação de muitas agências, somando a visão túnel à lateral. E isso é ainda mais fundamental na medida em que nem todas as empresas estão no mesmo grau de maturidade, como vimos antes. Por isso, a importância em formular modelos que respeitem as particularidades de cada um.

E entender o negócio é também conhecer os consumidores a partir de diferentes perspectivas, ajudando a desenvolver a visão única do cliente. Neste sentido, a agência deixa de agenciar mídia e passa a traduzir o que dizem os dados. Passa a ser um agente estratégico fundamental que orienta seu cliente a melhores decisões, algo que se intensificou com a pandemia, pela exigência de decisões mais rápidas diante do cenário de incertezas frequentes.

Dado que os desafios são cada vez mais complexos, dificilmente a resposta estará em um único parceiro. Por isso, estamos vivenciando no marketing práticas-de-inclusão, no lugar das práticas-de-proteção do que se tem. Saímos da era da posse da ideia para a de processos de criação aberta, que favorecem o surgimento de novos agentes, sendo as próprias agências um deles, pois o seu papel já não é o de agenciar, mas o de direcionar ao interpretar os dados, o de provocar a partir da inteligência contextual e o de propor novas soluções somando a visão túnel à lateral, ao criarem unidades que aproximam as equipes das necessidades do negócio do cliente.

*Crédito da foto no topo: Nick Collins/Pexels

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