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Opinião

Simone, Rebeca, Rayssa, Bárbara e Naomi

Tóquio 2020 traz inédito protagonismo feminino e joga luz também para pautas que vão muito além do esporte


3 de agosto de 2021 - 13h00

Rebeca Andrade (Crédito: Laurence Griffiths/ Getty Images)

Há pouco mais de um mês perguntei à minha filha Candy o que ela gostaria de ganhar de presente de aniversário, já que vai completar nove primaveras nessa semana (sim, sou uma feliz mãe de leonina!). Ela pediu uns dias para pensar e algum tempo depois veio com uma sugestão: “quero um skate”. Fiquei feliz com a escolha e disse a ela que skate é um esporte que nasceu nas ruas e que o Brasil prometia mandar muito bem na modalidade durante a Olimpíada de Tóquio. Naquele momento, final de junho, foi a primeira vez que realmente senti uma boa sensação sobre esses Jogos Olímpicos, atravessados que foram pela pandemia de Covid-19

Finalmente, chegou a sexta 23, dia da cerimónia de abertura. Me programei para assistir à abertura com a Candy e contei a ela como tinham sido os Jogos Rio 2016, quando tivemos a oportunidade de assistir ao vivo Vôlei de Praia, Atletismo e Ginástica Artística, já que ela não se lembra. Ao fazer a retrospectiva me dei conta de quanta coisa mudou nesses cinco longos anos. Infelizmente, muitas para pior. Falei também sobre como a edição anterior, a de Londres, também havia sido ainda mais marcante, pois seu pai tinha assistido in loco a abertura e voltou ao Brasil no dia seguinte a tempo de estar junto comigo para o nascimento dela.

Enquanto assistíamos aquela enxuta e minimalista abertura, apostávamos que em algum momento Mario e Luigi iriam dar o ar da graça, ou talvez Pikachu. Passavam-se os minutos e nada. Tudo muito sóbrio, contido e sem pirotecnia. Veio a entrada dos atletas, que mesmo reduzida, como sempre foi um momento mágico. O Brasil responsável e essencial sobre singelas sandálias Havaianas dava seu recado ao mundo. Até que veio, na opinião de Candy, o melhor momento da festa: a coreografia feita por mímicos dos pictogramas de cada modalidade, 50 no total. Um espetáculo de leveza, precisão e humor refinado. Me emocionei ao ver Naomi Suzuki acender a chama olímpica e tudo o que ela simboliza:  diversidade, firmeza e um papel vocal em tornar público seu problema de depressão.

Terminada a cerimônia, Candy comentou orgulhosa que o desfile da Gisele Bündchen ao som de Garota de Ipanema, na abertura da Rio 2016, deu de 10 no Japão. Aproveitei para falar com ela sobre expectativas e sinais trocados. A gente acaba achando que o Brasil não é capaz de fazer bonito em uma abertura de Olimpíada e se surpreendeu pelo show que demos. E com relação ao Japão, nossa expectativa era tão alta, esperando que haveria uma abertura incrível, que acabamos frustrados pelo pretinho básico da festa deles. Para tirar a teima, no final de semana, assistimos na íntegra a abertura dos Jogos Olímpicos brasileiros. Que maravilha. Que orgulho de termos feito um espetáculo tão exuberante. Um orgulho que estava guardado numa caixa fechada e depositada num lugar bem ao fundo da minha alma. Fez bem abri-la e tira-la da poeira.

No domingo, meu filho Theodoro, me mostrou revoltado os comentários depreciativos que a goleira Bárbara recebeu após o empate da Seleção Brasileira feminina de futebol com a Holanda em 3 a 3. “Eu não deixaria a goleira Bárbara segurar meu filho recém nascido”;

“Seria melhor um boneco de Olinda no lugar da goleira Bárbara” foram alguns dos comentários no Twitter. Para quem acha que machismo é privilégio de homem brasileiro, a pérola veio de um jornalista holandês durante um programa local: “essa goleira está acima do peso, não? É uma porca com um suéter. É uma zombaria total para a seleção brasileira. Ela claramente não defendeu uma bola decente”. Theo não acreditou no que lia e comentou: “Nunca vi um comentário assim sobre o frangueiro do Volpi”. Mal sabia ele o que nos esperava horas depois…

Aí veio a segunda-feira na qual os contos da fadinha Rayssa Leal se tornaram realidade nacional, sagrando a inédita Prata brasileira no skate. O vídeo que deu visibilidade à mais jovem medalhista olímpica da história do esporte nacional voltou ao topo dos mais tocados no YouTube. A Nike fez sua versão atualizada. A foto dos colegas de classe de Rayssa na rampa da escola Cebama, em Imperatriz, a cerca de 600 quilômetros da capital maranhense São Luís, que serviu de pista de treino para a medalhista viralizou. Candy já sonha com seu skate e fica fazendo contas para a próxima Olímpiada.

A janela de cinco anos que fomos forçados a abrir desde a Rio 2016 e que fica clara ao vermos sempre o logo Tóquio 2020 nas sinalizações, nos mostra também que dá para ter momentos de superação, sonhos, inspiração, resistência em meio ao caos distópico que a pandemia nos jogou.

Nesta que será a primeira Olímpiada da memória de Candy fico pensando nas minhas primeiras memórias também. E me lembro do urso Micha, símbolo dos Jogos da antiga União Soviética, em 1980. Uma Olímpiada sem os Estados Unidos, que liderou o boicote seguido por mais de 60 países em plena Guerra Fria. Lembro apenas de um nome em todos os jogos: o da romena Nadia Comaneci. E desde então, a ginástica artística se tornou para mim o ponto alto de qualquer Olímpiada.

E vem da ginástica olímpica alegrias e também muita reflexão. Estamos felizes e orgulhosas, como brasileiras, pela prata de Rebeca Andrade. No entanto, a desistência de Simone Biles, considerada a maior ginasta americana da história do esporte, abrindo para o mundo seu problema diante da forte pressão para vencer, além de corajosa, coloca em foco a dimensão humana dos atletas. Biles disse que precisa “lutar contra a própria mente para ter autoconfiança” e que cuidaria de sua saúde mental.

Sim, Olímpiada é sobre tudo isso. Sobre questões importantes como diversidade, inclusão, saúde mental, política, sustentabilidade e muito mais. O inédito protagonismo feminino de Tóquio 2020 joga luz também para pautas que vão muito além do esporte. Dizem respeito a limites, pressão e justiça social. Feliz por saber que a primeira Olimpíada que minha filha irá se lembrar será tão rica e plural.

*Crédito da foto no topo: Eugenesergeev/iStock

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