Cultura, marketing e os limites entre apropriação e inspiração
Casos recentes envolvendo a empresária Kim Kardashian e a grife Carolina Herrera reacendem debate sobre apropriação cultural
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Karina Balan Julio
4 de julho de 2019 - 6h00
Na semana passada, a socialite e empresária americana Kim Kardashian divulgou sua nova linha de lingerie, que seria registrada com o nome “Kimono”, gerando uma série de acusações da comunidade japonesa e de ativistas sobre apropriação cultural. O mesmo aconteceu no mês passado, quando o governo mexicano chamou a atenção da grife Carolina Herrera por utilizar símbolos e bordados usados por povos indígenas do país em uma de suas novas coleções. Os episódios reacenderam o debate sobre apropriação cultural no desenvolvimento de produtos ou no marketing, assunto que tem rendido críticas a diversas marcas nos últimos anos – entre elas Valentino, Farm, Gucci e Marc Jacobs.
No caso de Kardashian, o prefeito da cidade de Kyoto, Daisaku Kadokawa, enviou a Kim uma carta pedindo que reconsiderasse o registro da marca “Kimono”, uma vez que a palavra simboliza o artesanato e os valores da cultura japonesa. “Acreditamos que o nome e a cultura Kimono é um asset que deve ser compartilhado com toda a humanidade, e portanto não deveria ser monopolizado”, disse ele na carta.
A grife Carolina Herrera recebeu uma carta similar da Secretária de Cultura do México, Alejandra Frausto. Segundo o texto, os detalhes e bordados da coleção da grife representavam técnicas e a visão de mundo de povos das comunidades Hidalgo, Oaxaca e Coahuila. Segundo o responsável pela coleção da grife, Wes Gordon, o objetivo era valorizar o patrimônio cultural do país.
Gucci divide opiniões em desfile “estranho”
No centro do debate sobre apropriação cultural, está o limite entre apropriação cultural e apreciação. Na avaliação de Mariana Santiloni, especialista da consultoria WGSN, a apropriação indevida acontece quando os elementos apropriados não são devidamente creditados e não há espírito de colaboração e preservação. “Muitos dos exemplos infelizes de marcas em relação a apropriação cultural se deram devido a uma representação equivocada de um elemento de uma cultura que já foi ou ainda é marginalizada”, sugere.
Já Michel Alcoforado, antropólogo da consultoria Consumoteca, acredita que a apropriação faz parte de qualquer dinâmica cultural. “Na medida em que as culturas entram em contato entre si, se apropriam mutuamente e trazem aprendizados, virando referências comuns depois de algum tempo. O chá que chamamos de inglês foi apropriado quando os ingleses chegaram na Índia”, exemplifica.
Para ele, a intensificação do debate sobre apropriação cultural é reflexo da luta por “microidentidades” existente nas redes sociais. “Entendo que muitos grupos queiram mediar e interromper apropriação por outros grupos, mas é um processo quase impossível”, complementa.
Postura das marcas
Principalmente na moda, a apropriação de ícones de culturas não-hegemônicas parte de um esforço para alterar seus centros de referência, o que em geral é benéfico segundo a avaliação de Ivo Costa, gerente de estratégia da Interbrand Brasil. O problema é quando a mudança fica restrita a conceitos e produtos, e não às pessoas que criam, desfilam e acessam a novas coleções, por exemplo. “É simples: se uma marca de moda diz estar se inspirando em uma etnia e sua história, ela precisa trazer para dentro dos projetos pessoas que conhecem e vivem essa cultura”, opina. Outro problema está na falta de remuneração às comunidades e culturas que proveram os conhecimentos e técnicas necessárias para gerar determinado produto ou movimento cultural.
Cara gente publicitária, vamos debater?
Ivo também sugere duas perguntas simples que podem guiar a postura das marcas. “Faz sentido, pensando na verdade da marca, uma coleção com determinado conceito? Além disso, estou disposta a trabalhar o assunto com profundidade? ”, questiona. Em um contexto de ativismo onipresente nas redes sociais, Mariana também recomenda que marcas estejam preparadas para críticas e saibam a origem de elementos que estão incorporando – bem como de seus significados. “Seja um tema, um item ou até mesmo uma estampa, é dever delas saber a origem da referência que estão comercializando”, finaliza.
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