Divórcio entre marcas: quando collabs dão errado
Parcerias como as de McDonald’s e Krispy Kreme, nos EUA, podem não surtir o efeito desejado perante os consumidores

Parceria entre Krispy Kreme e McDonald’s foi encerrada nos Estados Unidos (Crédito: Shutterstock)
Do Ad Age
Quando o McDonald’s e a Krispy Kreme anunciaram no mês passado o fim de seu acordo, nos Estados Unidos, para vender donuts nos restaurantes da rede de fast-food, citando problemas de custo, a notícia foi uma conclusão nada surpreendente para um relacionamento que já era surpreendente.
“A coisa toda era estranha”, disse Jonathan Maze, editor-chefe da revista Restaurant Business. “O McDonald’s nunca faz isso – eles nunca levaram produtos de outra rede de restaurantes para os seus restaurantes.”
O fim da parceria entre McDonald’s e Krispy Kreme é apenas o mais recente exemplo de uma série de colaborações de alto perfil que, recentemente, terminaram em separações – algumas bem complicadas.
Em junho, a gigante farmacêutica Novo Nordisk disse que estava encerrando seu breve acordo no qual a provedora de telessaúde Hims & Hers vendia o medicamento para perda de peso Wegovy, devido a “preocupações sobre sua manipulação em massa ilegal e marketing enganoso”.
No primeiro semestre, a Ulta Beauty disse que estava pausando a expansão de sua parceria de cinco anos com a Target, que consistia em lojas dentro de lojas. Outro exemplo é Kiehl’s e Equinox, que encerraram no ano passado, seu acordo de longa data para estocar Kiehl’s nas academias Equinox, em meio a muita insatisfação do consumidor. Há dois meses, no entanto, a marca de cuidados com a pele anunciou uma nova parceria com outra rede de academias, Life Time.
“As pessoas abraçaram a oportunidade de colaborar com outras marcas e ver como podem abrir experiências para outros clientes de suas marcas, mas há muitas armadilhas”, disse Sarah Wiley, cofundadora e líder de vendas da Collab-it, uma consultoria de “brand matchmaking” lançada no ano passado.
“Você pode controlar muito como parceiros, mas nem sempre pode controlar o zeitgeist cultural, que se move muito rápido. É preciso ser tolerante ao risco, até certo ponto, para fazer parcerias.”
Para evitar rupturas amigáveis e a publicidade negativa que as acompanha, os especialistas dizem que os anunciantes precisam ser mais cuidadosos sobre como fazem collabs. Avaliar parceiros de uma perspectiva de valores e ser transparente sobre os objetivos com antecedência pode ajudar a criar as alianças mais frutíferas e de longo prazo, por exemplo.
Além disso, as marcas são desafiadas por clientes vigilantes, prontos para examinar políticas ou posições sobre questões potencialmente polêmicas. Por exemplo, a Target ainda está sentindo o impacto nas vendas dos boicotes contra sua marca após sua reversão em promessas anteriores de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão). Esse cenário torna mais importante do que nunca para as marcas escolherem os acordos certos.
“Os consumidores são mais exigentes sobre onde querem colocar seu dinheiro e mais empresas são movidas política e eticamente – você verá que o impacto dessas parcerias é maior”, disse Anjali Bal, professora associada de marketing na Babson College.
O rompimento de McDonald’s e Krispy Kreme
Iniciado como um projeto piloto em 2022, o acordo entre McDonald’s e Krispy Kreme recebeu sinal verde ser lançado em todas as 13.500 unidades da rede nos EUA, no ano passado. Então, segundo os especialistas, logo vieram os problemas logísticos, já que a Krispy Kreme simplesmente não tinha a distribuição necessária para levar seus produtos recém-fritos aos restaurantes.
Sem uma distribuição nacional, o McDonald’s não podia usar toda a sua máquina de marketing para construir reconhecimento para os donuts, e muitos clientes sequer sabiam que eles estavam disponíveis em certos locais. Tanto McDonald’s quanto Krispy Kreme se recusaram a comentar além de um comunicado de imprensa conjunto sobre a dissolução do acordo.
O fim da distribuição da Kiehl’s nas academias Equinox no ano passado foi mais um choque para os clientes leais. Após 13 anos, a rede de academias trocou os géis de banho e hidratantes da marca de cuidados corporais por Grown Alchemist, uma marca de beleza à base de plantas. A troca gerou repercussão negativa por parte dos consumidores, incluindo petições no Reddit e vídeos no TikTok de clientes prometendo boicotes.
Agora, a Kiehl’s encontrou um novo parceiro com a Life Time. O gerente geral da Kiehl’s, John Reed, espera que a parceria leve a mais oportunidades para colaborações de marketing em eventos especiais, como aulas de spinning ao ar livre ou corridas.
“Era hora de um novo começo”, disse ele, observando que não há “ressentimentos, apenas objetivos diferentes” com a Equinox. Levou cerca de um ano para o acordo com a Life Time se concretizar e a Kiehl’s aproveitou a oportunidade para brincar com a notícia nas redes sociais.
Reed disse que é importante procurar padrões quando se trata de clientes-alvo e potenciais parceiros de marca. Por exemplo, a Life Time, que começou como uma marca do Centro-Oeste, está se expandindo para as faixas litorâneas dos EUA, onde vivem mais clientes abastados e orientados para o estilo de vida da Kiehl’s. A parceria com a Life Time é uma das maiores iniciativas da Kiehl’s este ano, acrescentou.
“Quando você, como anunciante, entra na história e traz mais fãs para ela, eles se engajarão e gerarão muitas menções espontâneas, muita cobertura e burburinho da marca que você não pode pagar”, disse ele.
Antes de qualquer parceria, as marcas precisam delinear os objetivos e garantir que todos estejam alinhados com as metas do relacionamento, dizem os especialistas. Uma empresa pode estar procurando crescimento de público e outra buscando vendas diretas, disse Kate English, cofundadora e líder de marketing da Collab-it, observando que as marcas devem estar alinhadas nos KPIs. Ela acrescentou que fazer um teste antes de um programa maior e de longo prazo poderia ajudar as marcas a ver se um acordo faz sentido.
Alinhamento de valores
As marcas também devem verificar potenciais parceiros de uma perspectiva de valores para garantir que estejam na mesma página. Elas devem ser transparentes sobre esses valores desde cedo para evitar atritos posteriores, disse Margot Bloomstein, autora de “Trustworthy: How the Smartest Brands Beat Cynicism and Bridge the Trust Gap”.
É claro que tais coisas podem mudar com o tempo, e as marcas precisam estar preparadas para isso. Bloomstein apontou para o fim da colaboração da Gap com Ye, anteriormente conhecido como Kanye West. Embora o acordo da Yeezy tivesse sido planejado para durar 10 anos após sua estreia, em 2020, ele terminou de forma ríspida em 2022, após os comentários antissemitas amplamente divulgados por West. O rapper acusou a Gap de quebra de contrato, enquanto a empresa de vestuário culpou um desalinhamento de visão.
“As coisas podem mudar rapidamente”, disse Bloomstein, observando que os valores de muitas organizações estão evoluindo como resultado da liderança ou de certas alianças políticas, por exemplo. “Nem todos os relacionamentos são feitos para durar para sempre – alguns são por um ano, alguns por uma vida, alguns por uma estação… investir em comunicação aberta ajuda a garantir que a parceria seja viável pelo tempo que desejarem.”
Especialistas disseram que as marcas também devem ser abertas com seus clientes e com o público, sobre o que deu errado em certos acordos. As marcas também podem ser honestas sobre o que aconteceu em suas próprias mídias sociais, às vezes usando o ocorrido de forma irônica para se engajar ainda mais com seus fãs e impulsionar uma nova narrativa.
Foi o caso da Kiehl’s, que postou várias “provocações” fazendo referência a rompimentos antes de seu anúncio com a Life Time. Assim como celebridades que tentam encobrir notícias de divórcio em eufemismos como “diferenças irreconciliáveis”, a verdade sempre aparece, disse Bloomstein, observando que é do interesse da marca se adiantar a isso.
“É muitas vezes mais bagunçado e mais nublado por julgamentos e críticas do que se as partes envolvidas tivessem abordado o assunto abertamente desde o início”, disse ela. “Envolver a mídia sobre o que mudou, esse tipo de investimento em comunicação também pode tornar o fim da parceria bem-sucedido e “sobrevivível” para ambas as partes.”