13 A 16 DE JANEIRO DE 2024 | NOVA YORK - EUA

NRF

NRF Big Show 2024: a hora de amadurecer tendências

Primeiro dia do maior evento de varejo do mundo deixa a certeza de que a evolução tecnológica só acontece quando vai além do hype


15 de janeiro de 2024 - 12h18

A NRF Big Show, o maior evento de varejo do mundo, começou neste domingo em Nova York sob a expectativa de que a Inteligência Artificial dominasse todas as discussões e deixasse outros assuntos em segundo plano. Aparentemente, porém, o varejo americano aprendeu com o malfadado Metaverso e tem conseguido separar o que pode ser apenas um hype das necessidades reais dos clientes.

Ao longo de todo o primeiro dia, a IA apareceu em muitas palestras, mas com detalhes importantes. Quando ela não era o tema principal, ficava muito claro que ainda não era a prioridade de negócios número um do varejo. Pode até ser de muitos fornecedores de tecnologia, mas essa é outra discussão. Um bom exemplo foi a abertura do evento, com Michelle Gass, CEO da Levi Strauss & Co, que focou sua apresentação principalmente em como construir uma marca e mantê-la relevante por 170 anos, deixando o uso de tecnologia como coadjuvante.

Outro ponto de destaque é que pouca gente até agora mostrou resultados à altura do potencial estimado para o uso da IA – especialmente da IA Generativa. Acompanhei várias palestras que trouxeram aplicações da tecnologia: ficou claro que o caminho é esse, mas o momento ainda não é de “correr para não perder o bonde”.

O problema é que a IA depende que o varejo implemente uma série de outras tecnologias estruturantes – e é nesse ponto que os gargalos tecnológicos e culturais do Brasil podem ser um imenso problema para as empresas nacionais. Inteligência Artificial não funciona sem machine learning, que não performa sem uma infraestrutura de dados implementada, que por sua vez, não funciona sem investimentos em profissionais qualificados e em sistemas que não trarão retorno financeiro de curto prazo.

Por maior que seja o potencial, como justificar investimentos em tecnologias ainda não comprovadas, em um setor de margens muito apertadas? Esse é o dilema que continua a afligir o varejo e a colocar um freio ao discurso otimista dos fornecedores de tecnologia que patrocinam o evento.

A resposta é sempre o cliente

Como seres humanos, temos um viés que muitas vezes nos prejudica: o costume de olhar com muito interesse para tudo que é novo e subestimar o valor daquilo que é perene. Ainda que buscar o novo seja importante, em muitos momentos precisamos voltar ao básico e focar naquilo que é garantia de resultados. Ainda mais quando esse básico ajuda a construir o futuro.

É o que acontece, por exemplo, na rede de supermercados Meijer. A empresa, que atua no Meio-Oeste americano com 265 supermercados e um número parecido de lojas de vizinhança, chegou aos 160 anos de vida com uma premissa muito clara: colocar o consumidor em primeiro lugar para oferecer um atendimento excepcional. Esse posicionamento e a obsessão por cumprir seu propósito transformou a recém-inaugurada loja da rede em Manhattan em um ponto turístico dos varejistas durante a NRF Big Show.

A rede é muito objetiva na maneira de encarar a tecnologia como um suporte importante ao relacionamento com o cliente – e não como uma grande novidade disruptiva. Com esse equilíbrio, em conjunto com um grande pragmatismo para julgar qualquer inovação a partir do olhar da experiência do consumidor, a varejista evita grandes investimentos em tecnologias de vida curta. Metaverso, por exemplo, passou longe. A empresa também não possui NFTs. Mas o produto certo na hora certa, pelo preço adequado e com uma comunicação atraente para o consumidor, isso tudo sempre esteve presente. Como acontece há 160 anos.

Do meu ponto de vista, essa foi uma lição muito importante do primeiro dia da NRF Big Show: foco no cliente para evitar desperdício de energia e de dinheiro com tecnologias que não trarão resultado hoje.

E já vem a nova onda!

Como se estivéssemos mergulhando no mar, a NRF Big Show já indica o que poderá ser a nova onda “absolutamente essencial sem a qual o varejo não irá continuar a existir” – o exagero é meu, ok?. Vem aí a retail media para abalar os alicerces do varejo, trazer uma grande disrupção e reinventar o relacionamento com os consumidores.

Será mesmo? Mais ainda: se realmente for isso, será que haverá espaço para todo mundo investir na construção de sua própria rede de retail media?

Esse não me parece ser o caso. Em primeiro lugar, retail media depende de uma imensa quantidade de dados de transações e relacionamentos com os clientes, o que já limita o universo para grandes varejistas com programas de fidelidade e histórico de consumo do público. Como se não bastasse, é preciso estruturar os dados para que eles possam ser usados pela indústria para balizar as ações de mídia.

Entenda que não estou dizendo que retail media não irá funcionar ou que não tem potencial. Muito pelo contrário, o potencial é imenso. Mas, nem todo mundo que procura ouro acaba encontrando. A própria dificuldade de fazer acontecer fará com que poucas plataformas se estruturem no Brasil – nos EUA, as cerca de 180 já existentes deverão passar por uma enorme consolidação em 2024 e 2025. Sobrarão poucas, com grande volume, com as quais a indústria poderá lidar com mais facilidade.

A colaboração entre empresas parece ser a melhor saída para desenvolver um mercado novo, de potencial, mas que ainda tem muitos desafios a resolver. E essa é uma lição que deveríamos ter em mente: quantas vezes uma boa ideia morre porque não compartilhamos com concorrentes e parceiros?

Contraintuitivo, mas temos inúmeros casos de sucesso de grupos de empresas atuando dessa forma. O próprio sistema brasileiro de meios de pagamento mostra isso: quando todo o ecossistema formado por bancos, adquirentes e operadoras de cartão passaram a atuar de forma unificada, passou a haver massa crítica para acelerar a inovação e torná-la viável em grande escala.

O primeiro dia da NRF Big Show 2024 mostrou o grande potencial da IA e da retail media para os negócios de varejo, mas também mostrou que esses não são temas já resolvidos. As oportunidades estão abertas e os desafios ainda não foram vencidos. E sabe quem pode indicar qual é a inovação que destravará esse crescimento? O consumidor.

Então, antes de partir para os investimentos, precisamos fazer o básico: ouvir nossos clientes para fazer os negócios acontecerem.

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