Assinar

Sustentabilidade, segurança e IA desafiam Olimpíada de Paris

Buscar
Olimpíadas

Sustentabilidade, segurança e IA desafiam Olimpíada de Paris

Jogos Olímpicos chegam, pela terceira vez, à França com cenário de insatisfação e marcas precisam criar diferenciação em meio a um alto volume de mensagens publicitárias


30 de julho de 2024 - 6h00

Na última sexta-feira, 26, teve início oficialmente os Jogos Olímpicos de Paris 2024. Essa é a terceira vez que a França sedia as Olimpíadas. A capital francesa recebeu o maior evento do esporte mundial, pela primeira vez, em 1900. Depois, em 1924, a celebração voltou à cidade luz. Agora, cem anos depois, os Jogos Olímpicos retornam à França.

Desafios de Paris 2024

Barco com a delegação brasileira na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 (Crédito: Alexandre Loureiro/ Getty Images )

A recorrência, porém, não é sinônimo de falta de desafios. O orçamento dos Jogos de Paris 2024 é de € 4,4 bilhões, o equivalente a mais de R$ 23 bilhões. Como retorno, segundo a organização, Paris espera arrecadar até € 10,7 bilhões, cerca de R$ 57,8 bilhões, e gerar mais de 250 mil empregos.

Mas o clima da cidade na preparação para os Jogos foi de tensão. Uma das preocupações centrais do país sede é a segurança. Além dos estádios e espaços emblemáticos já existentes e de estruturas criadas temporariamente para o evento, as competições vão se espalhar por toda a França. O surf, por exemplo, ficará na Polinésia Francesa. Já os jogos de futebol marcarão presença em Bordéus, Lyon, Marselha, Nice, Nantes e Saint-Étienne.

Dessa forma, a extensão dos jogos, por si só, já representaria um desafio em termos de segurança. Em entrevista ao canal de notícias francês BMF, o ministro, Gérald Darmanin listou quatro tipos centrais de ameaça: a terrorista, ameaças de oportunidade ou deliquência, os riscos cibernéticos e tecnológicos e possíveis protestos e reivindicações. Ainda assim, ele garantiu que o país está preparado para receber os Jogos.

Para isso, foram convocadas três unidades de elite da polícia francesa. Elas atuarão de maneira conjunta a outros 35 mil policiais e 18 mil militares franceses que estarão espalhados por todo o território. Uma sondagem realizada para o jornal Le Figaro, apontou que 68% dos franceses se dizem preocupados com a segurança nas zonas turísticas e nos transportes públicos.

Ver esta publicação no Instagram

 

Uma publicação partilhada por Le Figaro (@lefigaro)

O transporte, inclusive, foi outro ponto de tensão envolvendo os Jogos. O país anfitrião passou por um projeto de modernização da rede de mobilidade, mas não cumpriu todas as promessas realizadas na sua candidatura. Segundo o Le Monde, no projeto batizado de Grand Paris Express, estavam a promessa de criação de quatro novas linhas de metrô, uma nova linha de comboio a partir do aeroporto Paris Charles de Gaulle, a extensão da linha 14 do metrô até o aeroporto de Orly e a garantia de transportes gratuitos durante a competição.

Das promessas, apenas a extensão da linha 14 do metrô será cumprida a tempo da Olimpíada e o projeto segue em construção até 2030. Em janeiro, uma iniciativa do ministério francês dos transportes criou uma campanha, com mapa interativo de trânsito, para que os parisienses considerem caminhos alternativos durante os jogos. Do ponto de vista de hotelaria, com a inflação nos preços, haveria uma apreensão de que os Jogos pudessem dissuadir os turistas de visitar Paris. Isso porque a cidade, sem um evento mundial, já figura entre as capitais mais visitadas do mundo.

Como o período dos Jogos Olímpicos coincide com as férias escolares, as autoridades encararam negociações trabalhistas e sindicais para garantir que os funcionários de setores essenciais estivessem disponíveis para o trabalho. Há três dias do início dos Jogos, um protesto interrompeu o ensaio da cerimônia de abertura. Cerca de 200 bailarinos alegavam desigualdades nos seus pagamentos.

A soma desses fatores, mais os desafios políticos da França, resultaram em um público local descontente com a realização da Olimpíada. Uma pesquisa do Instituto Elabe para o canal BFM apontou que, embora 52% dos franceses tenham interesse em ver os Jogos na TV ou assistir pessoalmente algumas provas, só 24% se dizem empolgados com o evento.

Os moradores, majoritariamente, se definem como céticos ou indiferentes. Em junho, em um protesto, os franceses ameaçaram defecar em massa no rio Sena. A razão do protesto era o alto nível de poluição do Sena após um investimento de € 1,4 bilhão em um projeto de despoluição do ponto turístico para o evento.

IA e sustentabilidade

Já na sua semana de início, o relatório “Rings of Fire: Riscos de Calor nas Olimpíadas de Paris 2024″, da Associação Britânica de Sustentabilidade no Esporte, apontou que a Olimpíada de Paris 2024 pode superar Tóquio 2020 e se tornar os Jogos Olímpicos mais quentes da história. Entre 1947 e 2023, a região de Paris teria registrado 50 ondas de calor. Em contrapartida, a França quer realizar um dos Jogos mais sustentáveis da história. A investida vai desde diminuição de gases poluentes até o uso de energias renováveis.

O cardápio dos atletas, por exemplo, terá 60% das refeições à base de plantas. Foram plantadas árvores para mitigar o calor europeu, painéis solares foram instalados e, do ponto de vista estrutural, 95% das locações forma reutilizadas ou construídas temporariamente para o evento.  Outra plataforma dos Jogos de Paris é a utilização da inteligência artificial no evento. Em abril, em um evento em Londres, Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) falou sobre o uso da ferramenta.

A IA deve ser aplicada para ajudar as emissoras que transmitirão os esportes a melhorarem a experiência de visualização, na análise do desempenho dos atletas e em sistemas de vigilância com câmeras alimentadas com a tecnologia para sinalizar riscos. A Intel, parceira oficial de tecnologia dos Jogos Olímpicos Paris 2024, também anunciou seus desenvolvimentos em inteligência artificial para melhorar a experiência dos espectadores e a participação dos atletas.

Vale lembrar que os Jogos de Paris sucedem uma experiência inédita. As Olimpíadas de Tóquio 2020 foi a primeira da Era Moderna a ser adiada, por conta da pandemia da Covid-19. O evento foi realizado de 23 de julho a 8 de agosto de 2021. As competições não tiveram público e os atletas, por sua vez, fizeram testes diários para Covid-19 e não puderam se deslocar no país.

Nesse sentido, a Olimpíada de Paris também traz um ineditismo. Pela primeira vez, o ciclo olímpico contou com apenas três anos para a preparação dos atletas e ativação das marcas. “Isso, por si só, já é um aprendizado de como temos que dar celeridade para alguns planos”, reflete Lincoln Chaves, head de planejamento e criação da agência de marketing esportivo 213 Sports. Ele também explica que as restrições de 2021 trouxeram uma relevância sem precedentes para o conteúdo digital e chamou atenção de marcas que, antes, não tinham o capital necessário para se associar aos Jogos Olímpicos.

Plataforma de entretenimento

Paris 2024 marcaria também uma mudança de paradigma na maneira como os esportes são encarados pelos anunciantes. “As marcas começam a entender que o esporte e quem o consome não são mais só os aficionados por uma determinada modalidade. O esporte tem se tornado uma plataforma de entretenimento”, destaca o head da 213 Sports. Naturalmente, isso traz para as ativações o desafio de conversar com um público cada vez mais amplo.

“Mais do que apenas assistir, o público das Olimpíadas quer se sentir parte da experiência, esteja ele em Paris, no trabalho ou no sofá de sua casa. As marcas precisam criar experiências imersivas e interativas que façam o público pular de alegria e se conectar com a marca de forma autêntica”, defende Beto Almeida, CEO da Interbrand.

Mas essa não é necessariamente uma tarefa fácil. Rafael Plastina, sócio da agência de marketing esportivo Sport Track, explica que estruturar uma operação capaz de ativar um evento de grande porte, como os Jogos Olímpicos, é um processo complexo. Especialmente, para marcas que não têm uma vertical dedicada a patrocínios. “É natural porque é um ser estranho ao core business da companhia”, reflete.

Nas Olimpíadas, há uma camada extra de dificuldade porque não é permitida exposição de marca nas arenas. Durante os jogos, os patrocínios ficam restritos ao material esportivo e ao time keeper, cronômetro que marca a duração das partidas. “O esforço da marca para aparecer como patrocinador é muito maior. Ela paga para ter o direito de se associar aos anéis olímpicos”, explica Plastina.

Assim, as marcas precisam investir em criatividade para, dentro da regulamentação, criar conexões genuínas e engajar o público. Um exemplo desse esforço aconteceu na última Copa do Mundo, em 2022. O case “Bring Home the Bud”, criado pelas agências W+K Nova York, W+K São Paulo e Africa Creative, foi uma resposta à proibição da venda de cervejas durante a Copa do Mundo no Catar, quando a Budweiser, patrocinadora oficial, doou todo o estoque destinado ao evento para o país vencedor do torneio. A ação foi premiada no Cannes Lions.

Mensagem olímpica

Além das restrições, outros dois fatores despontam como desafios para o patrocínio nos Jogos Olímpicos: orçamento e diferenciação. Mais do que a aquisição de uma cota de patrocínio, a ativação exige investimento em um plano de ações, seja no Brasil ou no país sede. Nesse caso, é preciso considerar a moeda internacional e a negociação com diferentes fornecedores. Não à toa, o cenário de patrocínios oficiais aos Jogos Olímpicos é repleto de marcas que atuam globalmente.

Além da opção de ser um patrocinador oficial, é possível atuar em patrocínios nacionais aos comitês olímpicos de um país específico, patrocinar atletas e influenciadores específicos ou por ações de marketing que não envolvem patrocínio, mas aludem aos Jogos, sem usar símbolos protegidos.

Para os analistas, o ciclo olímpico de Paris 2024 não foi marcado por grandes restrições orçamentárias e a valorização das experiências ao vivo teria impulsionado o retorno dos investimentos das grandes marcas nessas verticais. Lisandro Lopez, CMO da XP Inc, que é patrocinadora do COB e do Time Brasil, comenta: “Fazer ativações em Paris ou em outros lugares fora do Brasil passa sempre pelo tema da variação cambial. Por isso, é fundamental ser criativo e buscar as melhores alternativas para fazer mais com menos”.

Ver esta publicação no Instagram

 

Uma publicação partilhada por XP (@xpinvestimentos)

Havaianas, que também é patrocinadora do COB e o calçado oficial dos atletas olímpicos brasileiros, quer o usar o patrocínio para corroborar com sua estratégia de crescimento na Europa. “Ter operação e escritórios na Europa foi um facilitador para realizarmos nossas ativações em Paris, tanto as físicas quanto as digitais. Nosso foco por lá é oferecer experiências incríveis de brasilidade para os brasileiros de sangue que estarão em Paris torcendo pelo Time Brasil e conquistar novos consumidores internacionais”, explica Fernanda Albuquerque, VP global de marketing da Havaianas.

Quem também aposta nas Olimpíadas como plataforma de internacionalização é a Azul, que quer destacar seu papel como companhia aérea que leva seus passageiros para o mundo em uma rota que inclui a França. Tariana Cruz, gerente geral de marketing da Azul, conta que a decisão do patrocínio levou tempo a ser tomada porque era preciso garantir que a companhia conseguiria ativar o patrocínio efetivamente. “Exigiria da nossa parte muita estratégia de como alocar os investimentos da campanha”, aponta a executiva.

Em uma arena competitiva para as marcas, como a das Olimpíadas, surge o desafio de conseguir se destacar em meio a um alto volume de mensagens publicitárias. “Como conseguimos ter visibilidade dentro de um tema que é tão dominado por outras marcas e setores”, aponta Tariana. O dilema é replicado pela Medley. O patrocínio ao COB aliado ao lançamento da nova fase da campanha institucional “Eficaz em tudo o que faz”, representa o maior investimento em mídia da farmacêutica em sua história recente.

“Os desafios que enxergamos é de fato priorizar e fazer boas escolhas junto com os nossos parceiros, quando temos ativações de muitas marcas, e estar nos canais que realmente irão gerar conexão com os nossos consumidores atuais e potenciais”, descreve Denise Mello, CMO da Medley.

Segunda tela e atenção fragmentada

Do outro lado, as mensagens publicitárias encontram um público que também passou por mudanças no seu comportamento de consumo. Os Jogos de Paris 2024 acontecem enquanto o mercado discute as dificuldades de cativar usuários com a atenção cada vez mais fragmentada. Isso resulta em mudanças na estratégia de patrocínio.

“Falar de segunda tela em uma ativação, agora, é passado. Hoje, esse tipo de entretenimento impacta em todos os canais”, analisa o head de planejamento e criação da 213 Sports. Para ele, um dos pilares centrais para definir com assertividade os meios que precisam ser utilizados é uma relação afinada entre agência e anunciante. “No mercado, em geral, essa relação tem ficado cada vez mais rasa”, opina o executivo.

A gerente geral de marketing da Azul conta que as mudanças no consumo de mídia redefiniram a forma como a companhia aérea faz comunicação. Atualmente, a experiência do consumidor em viagem é a escolha da companhia para criar lastro de marca. Fora isso, a aérea busca se associar a momentos que possam gerar conversas e se pulverizar. “Estamos buscando estar conectados ao momento e ao assunto, mais do que à mídia”, aponta Tariana. A Olimpíada é um desses momentos.

Flávia Saraiva no embarque da delegação de ginástica brasileira com a Azul (Crédito: Guilherme Mion/ Divulgação)

Para criar essa reverberação, os patrocinadores têm investido na associação com criadores de conteúdo que, pelas redes sociais, podem multiplicar sua experiência no evento. É o caso da Azul; da Medley, que terá Fernanda Gentil na cobertura em Paris; e da Havaianas, que escalou um squad de influenciadores e atletas olímpicos. A presença dos creators também redefiniu parâmetros de cobertura.

“As marcas estão investindo para promover interação pessoal e criar memórias duradouras por meio dessas experiências. Além disso, buscamos também uma complementação das estratégias nos meios digitais, para alcançar uma audiência ainda mais ampla e engajada com a marca”, aponta o CMO da XP Inc.

Mas além da atenção fragmentada, o consumidor também se mostra mais consciente sobre o papel do patrocínio para perpetuação do esporte e identifica, com facilidade, marcas que se associam ao tema apenas por oportunismo. “As marcas precisam entender, de uma vez por todas, que patrocínio não é uma vez a cada quatro anos”, defende Rafael Plastina. Ele acrescenta: “construir marca por meio do esporte demora. E, ao demorar, é importante que a marca adote a modalidade”.

Laboratório da IA

No que tange a investida do Comitê Olímpico Internacional (COI) em tornar a inteligência artificial como parte integrante das Olimpíadas, as marcas enxergam com bons olhos. Para elas, seria uma oportunidade de conseguir uma participação em tempo real com uma estrutura menor e ter informações detalhadas sobre o comportamento do público, permitindo uma melhor personalização das campanhas.

Renan Borges, diretor de tecnologia da End to End, hub de soluções e engajamento para o mercado esportivo e produtora de conteúdo oficial das redes sociais do Time Brasil durante os Jogos Olímpicos, aponta que o principal desafio da utilização de IA em um evento esportivo, com o porte da Olimpíadas, é o acompanhamento pelo COI de como as ferramentas serão utilizadas. Uma vez que não se tem um amplo conhecimento prévio de quais impactos esse uso pode trazer.

“Em contrapartida, essa Olimpíada será um grande laboratório do uso de Ias”, defende. “Vamos ver pela primeira vez o comportamento, de múltiplas formas, do uso de inteligência artificial em um evento tão grande quanto as Olimpíadas”, conclui o diretor de tecnologia da End to End.

Ao mesmo tempo, a crescente da tecnologia precisa vir acompanhada de uma preocupação com o elemento humano que marca os esportes. “O esporte é emoção, paixão, ao vivo e, mais do que tudo, imprevisibilidade de resultado”, define Rafael Plastina. Assim, ele acrescenta: “quando a gente erra na linguagem, destrói a construção de marca”.

Publicidade

Compartilhe