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Opinião

A cultura vai comer a publicidade no café da manhã

Por mais lógico e racional que seja um plano de negócios, sua implementação depende de comportamentos humanos que são, por natureza, incontroláveis através de uma planilha ou projeção matemática


30 de outubro de 2023 - 6h00

“As melhores propagandas vêm do conteúdo. Vamos trazer a indústria criativa para perto da música, da moda, do entretenimento” – Mark Read, CEO do WPP, no Maximídia 2023

Peter Drucker, cientista social que se tornou um dos maiores gurus da Administração do século XX, teria dito que “a cultura come a estratégia no café da manhã”. Por mais lógico e racional que seja um plano de negócios, sua implementação depende de comportamentos humanos que são, por natureza, incontroláveis através de uma planilha ou projeção matemática.

Durante boa parte do século XX, a publicidade foi uma espécie de “casamento” entre a cultura de uma sociedade (representada na criatividade) e os planos de negócios da mídia, vendas, etc. Mas a partir do final dos anos 1970, a crescente financeirização do mundo desequilibrou esta relação. Com uma pressão por resultados contábeis (também do lado dos clientes, é bom lembrar) e o aumento dos custos de mídia, os “criativos” cederam espaço para os “cabeça de planilha” – lógica que também ajuda a explicar a transformação de um negócio baseado em pequenas e médias empresas locais em grandes holdings de atuação global.

No início do século XXI, a evolução tecnológica mudou novamente o jogo. O resultado financeiro continua importante, mas agora ele não vem sem ser de alguma forma compartilhado com grandes empresas de tecnologia que desenvolvem e controlam os algoritmos que criaram verdadeiros “mercados de comportamentos” que não são acessados de forma eficiente pelos veículos da mídia clássica, independente do “virtuosismo” da mídia das agências. Mas este não é o único jogador novo no tabuleiro.

A crescente revolta causada pelo aumento da desigualdade e as tensões geopolíticas resultantes da globalização em um contexto de declínio de uma superpotência (os EUA) e a tentativa de afirmação de outra (a China), polarizaram as sociedades de forma vista somente nas vésperas de rupturas históricas importantes. Com uma diferença fundamental: agora cada grupo, por mais “marginal” (no sentido de “margem” não de “delinquência”) encontra nas redes sociais um verdadeiro megafone para expressar seus pontos de vista, tirando das organizações de mídia e dos políticos tradicionais o papel de “organizar” o debate público, mesmo que de forma imperfeita, através de um conjunto de regras com alguma racionalidade.

Essa pressão ajuda a explicar os problemas recorrentes de posicionamento políticos das marcas, mesmo quando elas não querem se posicionar diante de algum acontecimento, como os recentes conflitos no Oriente Médio, ao contrário do que aconteceu na Ucrânia (https://apnews.com/article/israel-hamas-war-palestinians-companies-harvard-daecf3a387a689339dc41f35b773e063). No caso brasileiro este problema vem sendo “bisado” pelo menos semanalmente desde a eleição de 2018, conforme analisei aqui mesmo neste espaço (https://www.meioemensagem.com.br/opiniao/publicidade-ativismo-e-tecnologia).

No último Maximídia, os líderes das principais holdings destacaram a importância da tecnologia e da geração de conteúdo, mais do que a mídia em si, como uma maneira de permanecerem relevantes tanto para os consumidores quanto para os anunciantes. A tecnologia, tanto do ponto de vista da execução, quanto do ponto de vista da distribuição, é a ferramenta pela qual a produção de conteúdo vai ser cada vez mais importante para assegurar uma “veiculação” que não virá mais somente por “empurrão” (push) financeiro, mas também porque irá mobilizar ou amplificar as opiniões presentes nos “mercados de comportamento” que interessam para marcas.

Se a visão dos CEOs dos principais grupos globais está correta, os diretores de Marketing das grandes empresas estão diante de um desafio bastante complexo, não em termos técnicos, mas culturais. Dragadas para o centro de polêmicas comportamentais, não por seus atributos intrínsecos mas pela maneira como seus influenciadores, funcionários ou dirigentes se manifestam nas redes, as marcas terão que fazer opções que terão repercussões financeiras. Até mesmo a opção de “não se posicionar” diante de determinado tema pode gerar ruídos na relação com mercados nacionais ou grupos de consumidores.

Neste cenário, talvez o marketing e a publicidade tenham que recolocar o “determinismo tecnológico” que vimos nas últimas décadas no seu devido lugar: o de uma ferramenta que aumenta a eficiência da alocação de capital, mas não substitui o entendimento do consumidor e a disposição para tomar risco como componentes fundamentais que fazem uma marca ser culturalmente relevante. Não se trata do retorno ao “poder dos criativos” de 50 ou 60 anos atrás, mas de uma versão mais complexa e “turbinada” pela tecnologia do entendimento da publicidade como um fenômeno cultural fundamental para assegurar o consumo em um momento de envelhecimento populacional e restrições ambientais que desafiam o retorno financeiro de diversas empresas e organizações.

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