Publicidade, ativismo e tecnologia
Não basta a empresa ser ‘moderna’ do ponto de vista de suas práticas organizacionais, ela também precisa ser coerente com os princípios que defende para seus consumidores em diversos outros aspectos
Não basta a empresa ser ‘moderna’ do ponto de vista de suas práticas organizacionais, ela também precisa ser coerente com os princípios que defende para seus consumidores em diversos outros aspectos
“Posicionem-se”. Esse foi o recado das urnas para as marcas, tema de um artigo meu neste espaço ainda no primeiro turno das eleições de 2018. Nas últimas semanas, ações relativas ao assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, como a da Nike ou ainda mais impactantes como as dos canais da ViacomCBS, são uma amostra das decisões que os gestores de marketing terão que fazer à medida que avança o acirramento das tensões sociais resultantes do crescimento da desigualdade e da polarização política.
A adoção da tecnologia, acelerada pelo advento do coronavírus, aumenta ainda mais a cobrança sobre as empresas neste aspecto. Em nosso país, diversas organizações tiveram seus investimentos publicitários em mídia programática questionados por meio de iniciativas como o Sleeping Giants Brasil. Mas se brand safety não chega a ser uma novidade, como lembrou um editorial do Meio & Mensagem no início deste mês, a pronta resposta de diversas organizações que foram alertadas para o problema é. Mostra que a pressão das redes sociais, ou o medo dela, é um novo agente para a mudança: não basta a empresa ser “moderna” do ponto de vista de suas práticas organizacionais, ela também precisa ser coerente com os princípios que defende para seus consumidores em diversos outros aspectos. A tecnologia se torna não apenas um instrumento para aumentar a eficiência do investimento em mídia, mas também uma ferramenta de “compliance” na mão dos consumidores.
Aristóteles, muito antes das fake news, falava que o convencimento depende de um alinhamento entre a lógica da argumentação (logos), a experiência que ela proporcionava ao ouvinte (pathos) e a coerência percebida entre o discurso e a prática do emissor (ethos). Assim como o avanço da tecnologia desnudou muitas das práticas internas de gestão, agora ele vai expor as contradições entre o discurso da marca e a distribuição da verba dos anunciantes, em alguns casos até se sobrepondo ao imperativo lógico (o retorno do investimento). A Adidas foi “pega” por este mesmo princípio no início da pandemia, quando quis se aproveitar de uma brecha em uma lei extraordinária para ajudar proprietários e inquilinos de imóveis comerciais na Alemanha e teve que reconhecer que sua atitude não demonstrava o “espírito de equipe” que a marca propaga.
Na medida em que grupos ativistas vão entendendo o funcionamento das tecnologias de comunicação online, e as relações entre o conteúdo ao qual eles se opõem e a publicidade, veremos mais iniciativas pressionando os anunciantes. É bom lembrar que, na gênese dos sites de fake news que explodiram na eleição americana de 2016, encontramos jovens macedônios que buscavam simplesmente uma renda extra por meio da plataforma de publicidade do Google. Esse modus operandi” foi rapidamente capturado por grupos conservadores e, mais recentemente, por outras parcelas do espectro político.
Nem mesmo as plataformas digitais estão imunes ao “ativismo criativo tecnológico”. Executivos de empresas como Google e Facebook têm sido frequentemente questionados por seus funcionários sobre a suposta “neutralidade” da tecnologia, enquanto dirigentes de empresas como o Twitter adotam uma postura mais crítica diante do comportamento de alguns líderes políticos. Na medida em que cresce a importância da área de tecnologia e o número de funcionários dos departamentos de TI dentro das empresas, podemos esperar um aumento deste tipo de exposição de conflito.
Para reduzir os riscos, os gestores de marketing precisam dominar tanto os aspectos técnicos da mídia programática quanto o contexto social do mercado, antecipando possíveis problemas para a marca. Um dos aspectos mais interessantes em todos os casos recentes (lembrando que o Sleeping Giants americano e sua contraparte britânica, o Stop Funding Hate, foram fundados mais ou menos na mesma época, em 2016) é o quanto os gestores alegaram desconhecimento sobre como seus recursos eram investidos pelas plataformas e suas agências (teoricamente encarregadas de assegurar a “qualidade” do investimento).
Em que medida seus investimentos em mídia estão alinhados com os princípios estabelecidos pelos valores e pela missão da empresa? Este alinhamento (ou a falta dele) terá uma visibilidade crescente e vai ser cobrado por grupos de consumidores e ativistas armados com um conhecimento tecnológico maior até do que o do seu departamento de marketing ou sua agência. Tudo isso sem falar do interesse dos acionistas e dos diretores financeiros, uma vez que este desconhecimento demonstra, no mínimo, certo descaso com a aplicação da verba — mais um item para o antigo problema do descompasso entre marketing e finanças. Mas este é tema para outro artigo.
*Crédito da foto no topo: iStock
Compartilhe
Veja também
Marketing de influência: estratégia nacional, conexão local
Tamanho do Brasil e diversidade de costumes, que poucos países têm, impõe às empresas com presença nacional o desafio constante de expandir seu alcance sem perder de vista a conexão com as comunidades
O novo eixo na comunicação das marcas
A base (fraca) do modelo persuasivo está sendo substituída pelo informativo