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Opinião

A inteligência artificial pode realmente criar arte?

Klaus Mitteldorf, artista brasileiro descendente de alemães e suecos, reconhecido internacionalmente por seu trabalho transdisciplinar ajuda a propor uma resposta


8 de março de 2024 - 6h00

Como pesquisador no tema inteligência artificial (IA) e diante de seus avanços, acabei participando de alguns debates em torno da capacidade artística de IAs generativas como Dall.E 2 e Midjourney. Induzidas pela qualidade das imagens geradas por essas ferramentas, algumas pessoas defendem que a IA realmente pode criar arte.

Não tenho dúvida de que a IA tenha a capacidade de gerar imagens, poemas ou músicas que nos façam concluir que são obras de arte, até por conhecer como tais algoritmos funcionam: com base em um grande volume de criações humanas, eles aprendem um padrão do que é aceito em textos, músicas ou imagens, e, a partir desses gabaritos, geram variações. Portanto, de certa forma eles aprendem as características que o resultado precisa ter para ser aceito pelos padrões humanos, e com isso nos convencer sobre sua legitimidade. Em outras palavras, tais algoritmos aprendem a nos “enganar”, de certa forma. No entanto, independentemente dos resultados impressionantes, isso seria realmente arte?

Para me ajudar a responder essa pergunta, nada melhor do que conversar com quem realmente produz arte. Isso me levou a falar com Klaus Mitteldorf, um artista brasileiro descendente de alemães e suecos, reconhecido internacionalmente por seu trabalho transdisciplinar, incluindo fotografia, cinema, colaborações com músicos, e experimentações artísticas conceituais buscando expandir as fronteiras dessas formas de expressão artística. Sua expressão cobre uma grande variedade de temas e estilos, indo desde a moda sofisticada até a cultura urbana e o ativismo social, como as capas dos discos do grupo de rap Racionais MC, onde utilizou a fotografia para capturar a essência e a mensagem dos integrantes do grupo.

Para Klaus, a arte é algo essencialmente humano, pois é a materialização da expressão dos sentimentos do artista. Ele vê a arte como um refúgio universal para os seres humanos, um meio pelo qual artistas transmitem suas inspirações e sensações mais profundas.

Quando questionado sobre se a IA pode criar obras de arte, Klaus se mostra cético. Ele reconhece que a IA pode gerar obras baseadas em dados e tendências existentes, mas questiona sua capacidade de evoluir, dando os próximos passos por si só, tal como os artistas fazem, pois não possuem acesso aos sentimentos mais profundos, não sendo capazes de, em suas palavras, “definir o momento presente de uma pessoa e muito menos o seu futuro”. Para reforçar a superficialidade da IA, ele complementa que “temos segredos guardados que nem nós mesmos conseguimos acessar, muito menos a IA.”.

Segundo ele, portanto, a IA carece de elementos essenciais para a arte genuína, sendo apenas mais uma ferramenta, dentre várias outras existentes, no repertório de um artista. Como uma ferramenta, ela não produz arte, e sim quem detém a essência criativa e emocional que são as forças motrizes da expressão artística, sendo, portanto, uma exclusividade do artista. Em sua visão, a IA pode ser um meio para desenvolver novas tecnologias e ampliar o alcance da arte, mas não deve ser considerada um substituto para a criação artística humana.

Depois de aprender a sua perspectiva, resolvi tentar obter a perspectiva da própria IA sobre o tema. Para isso, eu coloquei a transcrição da conversa que tive com Klaus no ChatGPT 4.0, e perguntei “Você acha que a IA consegue gerar arte? Como sua visão sobre o tema se compara com a de Klaus?”. Obtive a seguinte resposta:

A questão de se a IA pode gerar arte é complexa e multifacetada. Do ponto de vista técnico, a IA já demonstrou capacidade para criar obras que podem ser classificadas como arte, usando algoritmos para gerar imagens, música, textos e outras formas de expressão criativa. Estas criações são frequentemente baseadas em grandes volumes de dados e padrões aprendidos a partir de obras de arte existentes, permitindo à IA produzir trabalhos que, pelo menos superficialmente, se assemelham à arte humana.

No entanto, a questão se torna mais profunda e filosófica quando consideramos o que constitui “arte” em seu sentido mais verdadeiro. A arte é frequentemente vista como uma expressão da experiência humana, emoções, pensamentos e visões de mundo. Ela é intrinsecamente ligada à capacidade do artista de transmitir algo de si mesmo – suas emoções, suas experiências, seu contexto cultural, sua visão de mundo – através de sua obra. Nesse sentido, muitos argumentam que a IA, que opera com base em dados e algoritmos sem experiência de vida ou emoção, não pode criar arte no mesmo sentido que os humanos.

A visão de Klaus Mitteldorf, conforme expressa na entrevista, ressoa com essa ideia. Ele vê a arte como uma expressão profundamente humana, ligada à capacidade do artista de comunicar sua experiência e emoções únicas. Ele parece cético quanto à capacidade da IA de alcançar esse nível de expressão, pois, em sua visão, a IA carece da “alma” e da experiência de vida que são centrais para a criação artística humana.

Ao obter a resposta, eu perguntei “Você acha importante que a IA um dia consiga fazer arte no sentido mais profundo?”, e, fiquei surpreendido com a resposta que obtive:

A questão da importância de a IA um dia conseguir fazer arte no sentido mais profundo é intrinsecamente ligada à forma como valorizamos a arte e ao papel que atribuímos à tecnologia em nossas vidas.

Por um lado, se a IA fosse capaz de criar arte que expressasse profundamente experiências e emoções, isso poderia ampliar nosso entendimento sobre a criatividade e a própria natureza da arte. A IA que alcança esse nível de criação poderia oferecer novas perspectivas e inspirações, potencialmente colaborando com artistas humanos de maneiras inovadoras. Isso também poderia levar a um melhor entendimento das capacidades cognitivas e emocionais da IA, abrindo novas fronteiras em áreas como inteligência artificial emocional e aprendizado de máquina.

Por outro lado, a arte é frequentemente valorizada por sua conexão com a experiência humana – é uma forma de expressar o que significa ser humano, com todas as complexidades, emoções e perspectivas que isso implica. Se a IA fosse capaz de replicar ou até superar a arte humana em profundidade e expressão, isso poderia levantar questões filosóficas e éticas sobre a singularidade da experiência humana e a relação entre humanos e máquinas. Há também o risco de desvalorização do elemento humano na arte, onde a autenticidade e a conexão pessoal podem ser ofuscadas por produções tecnológicas.

Em última análise, se é importante ou não que a IA alcance esse nível de criação artística depende de como valorizamos a interação entre humanidade e tecnologia, e do que consideramos ser o núcleo essencial da experiência artística. Para muitos, a arte sempre será vista como uma expressão singularmente humana, enquanto outros podem abraçar a ideia de uma colaboração criativa entre humanos e IA. A evolução da IA na criação artística continuará a ser um tópico de debate fascinante e multifacetado.

Tal como observado por Klaus, é fundamental distinguirmos repetição de inovação. Apesar da IA conseguir replicar estruturas, ainda lhe falta a chama da inspiração autêntica que frequentemente distingue as obras-primas. Ou seja, a IA apenas gera o componente tangível de uma obra de arte: aquilo que conseguimos observar. Mas, não podemos considerar suas criações como expressões artísticas reais por não conterem um componente essencial da arte: motivações atreladas à emoções humanas.

Como um pesquisador no campo da IA, acredito que a ciência desenvolverá IAs cada vez mais sofisticadas, com capacidade de inclusive emular aspirações motivacionais baseadas em emoções sintéticas, e que, tal como deep fakes, irão nos enganar muito bem. No entanto, acredito que tais criações jamais substituirão o componente humano essencial para que se tornem verdadeiras obras de arte.

Contudo, isso não invalida o papel da IA no universo artístico, pois sua evolução está permitindo a criação de novas ferramentas que democratizam e enriquecem a capacidade de expressão criativa. As IAs generativas atualmente permitem, por exemplo, que qualquer pessoa, mesmo sem o talento de um ilustrador, gere imagens fornecendo apenas descrições textuais sobre aquilo que deseja ou imagina. Assim, da mesma forma que o pincel e a tela não fazem arte sem o artista, a IA não gera a ilustração sem a inspiração humana descrita numa representação textual daquilo que deseja. E nesse caso, me parece que podemos afirmar que a semente seria o texto oriundo de motivações humanas, muito provavelmente atreladas à emoções. Como, no caso, o componente humano está presente, poderíamos considerar o resultado uma expressão artística?

A IA não substituirá o humano na arte. No entanto, a sinergia entre humanos e essa nova ferramenta permitirá que mais pessoas se arrisquem a expressar suas emoções em formatos que jamais se arriscariam por falta de treino ou habilidade. Como tais ferramentas continuarão evoluindo, essa democratização poderá nos conduzir a novos estilos expressivos ainda inimagináveis, onde inovação técnica e emoção se fundem. Acredito que seremos surpreendidos positivamente por essa parceria no futuro.

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