Opinião

A revolução silenciosa dos logotipos automotivos

E o que essas mudanças revelam sobre esse segmento centenário no País

Filippo Vidal

Sócio e Diretor na FutureBrand São Paulo 19 de agosto de 2025 - 15h00

Como a identidade visual das montadoras revela as transformações de uma indústria centenária – e o que esperar com a chegada das novas marcas asiáticas

Os logotipos mais icônicos do setor automotivo têm uma qualidade singular: basta um olhar para que despertem reconhecimento instantâneo e evoquem uma história. Eles funcionam como uma espécie de assinatura visual que carrega, em poucos traços, décadas de reputação, conquistas e valores de marca. Ainda assim, nenhuma identidade visual permanece intocável — e acompanhar a evolução desses símbolos é uma maneira instigante de entender as transformações de toda a indústria.

Montadoras como BMW, Ford, Porsche e Chevrolet mantiveram seus logotipos notavelmente consistentes ao longo dos anos, preservando códigos visuais associados à tradição e confiabilidade. Já marcas como Cadillac, Hyundai, Toyota, Mitsubishi e Dodge assumiram mudanças mais radicais, muitas vezes como reflexo de reposicionamentos, fusões ou novos ciclos tecnológicos.

Mas por que, afinal, as montadoras mudam seus logotipos? E o que essas transformações revelam sobre o presente — e o futuro — da mobilidade?

Ao analisar a evolução desses itens, três grandes movimentos se destacam como principais forças de mudança:

1. O peso dos fundadores

Boa parte das marcas automotivas carrega no nome a assinatura de seus criadores — o que ajuda a construir vínculos emocionais e narrativa de legado. Ford, Chevrolet e Citroën, por exemplo, fazem referência direta a seus fundadores, reforçando atributos como pioneirismo, visão e resiliência.

Mais do que nomes, essas conexões humanizam. Ao associar-se a figuras reais, os logotipos ganham uma aura quase mítica — que significa a ponte entre a herança e a inovação.

2. Símbolos que contam histórias

Cores, formas e palavras são recursos poderosos de storytelling. A BMW, por exemplo, incorpora no seu logo tanto a bandeira da Baviera quanto a representação de uma hélice contra o céu — referência direta à origem aeronáutica da empresa. Já os quatro anéis da Audi remetem às empresas que se fundiram para formar a Auto Union: Wanderer, Audi, DKW e Horch.

Cada logotipo guarda camadas de significados que, quando bem projetadas, se renovam com o tempo sem perder a essência.

3. Digitalização e eletrificação impulsionam o minimalismo

Na última década, acompanhamos a tendência global da busca por logotipos mais simples, planos e digitais. O objetivo é atender à crescente demanda por versatilidade nas interfaces digitais — dos painéis de carros às telas de smartphones.

Marcas centenárias como Renault e Citroën passaram por atualizações significativas, resgatando elementos históricos sob uma nova ótica gráfica. O resultado é um visual limpo, contemporâneo e, sobretudo, preparado para o futuro elétrico.

 

Os Casos da Jaguar e Range Rover: reinvenção total do luxo britânico

Um dos exemplos mais recentes e emblemáticos dessa onda de mudanças é a Jaguar. Em novembro de 2024, a tradicional marca britânica revelou um novo logotipo, aposentando o icônico “growler” (a cabeça do jaguar) e redesenhando o “leaper” (o jaguar saltando) com traços mais angulosos e modernos. A tipografia também mudou, adotando um estilo híbrido entre letras maiúsculas e minúsculas.

Em julho de 2025, a Range Rover também causou polêmica apresentando uma nova tipografia limpa e plana para seu logo. Embora modernas, ambas as mudanças dividiram opiniões — enquanto aproximam as marcas da estética digital contemporânea, também levantam dúvidas sobre a perda de herança simbólica construída por décadas.

 

E as novas gigantes chinesas, onde se encaixam?

Enquanto isso, o mercado assiste à ascensão acelerada de montadoras chinesas como BYD, Nio, XPeng e Geely. Muitas dessas companhias foram fundadas há menos de uma década e já se tornaram protagonistas da corrida elétrica. Mas elas ainda enfrentam um desafio: criar identidades visuais que transmitam confiança, legado e diferenciação em um mercado historicamente dominado por símbolos consagrados.

A maior parte dessas marcas nasce num ambiente de constante mutação e velocidade — o que se reflete em logotipos mais genéricos, com menor carga simbólica e menor apelo emocional. Resta saber se, com o tempo, conseguirão construir o mesmo vínculo afetivo que marcas centenárias cultivaram ao longo de gerações.

Sendo assim, os logotipos automotivos são mais do que um exercício estético: tratam-se de expressões visuais de uma indústria em transformação. Carregam o peso da tradição, mas também a leveza da inovação. E assim como os carros que representam, precisam ser flexíveis, conectados e prontos para acelerar rumo ao futuro.

À medida que a eletrificação, a autonomia e o design digital ganham espaço, eles continuarão mudando — refletindo não apenas a evolução das marcas, mas da própria mobilidade contemporânea.