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Opinião

A realidade sempre molda a inovação

Ao longo da última década, à medida que as big techs se apressavam a introduzir serviços de streaming para competir com a Netflix, valorizaram o número de assinantes acima de qualquer outra coisa


24 de junho de 2024 - 6h00

Há bem pouco tempo, o streaming veio com uma promessa: anúncios e intervalos comerciais serão coisas do passado.

A Netflix ganhou domínio no streaming em parte porque ofereceu aos clientes uma experiência sem anúncios. Amazon Prime Video, Disney+ e HBO Max seguiram o exemplo.

Mas não durou muito. Já dizia o ditado que não existe ideia nova. Pelo menos, esse parece ser o caso na indústria de TV.

É cada vez mais difícil evitar anúncios nestes serviços. Um por um, Netflix, Disney+ e Amazon adicionaram anúncios de 30 e 60 segundos em troca de um preço de assinatura ligeiramente mais baixo. A Amazon foi até mais longe e habilitou anúncios por padrão. E os esportes ao vivo nesses serviços incluem intervalos comerciais integrados, independentemente do preço pago.

Mês passado, a importância da publicidade em terras americanas ficou ainda maior, quando Amazon e Netflix fizeram suas primeiras apresentações presenciais durante os chamados upfronts, tradicionais eventos nos quais as empresas de mídia tentam atrair anunciantes. A Netflix enviou Shonda Rhimes, produtora executiva de sucesso de Bridgerton e criadora de Grey’s Anatomy, para falar sobre seu serviço aos anunciantes, e a Amazon lotou seu evento com celebridades como Reese Witherspoon e Jake Gyllenhaal, além de uma apresentação ao vivo de Alicia Keys. Aparentemente, dada a escala dos envolvidos, não parece ser nada experimental — claramente é um movimento sólido e decidido por toda a indústria.

Talvez a mudança na experiência televisiva fosse inevitável. Ao longo da última década, à medida que as big techs se apressavam a introduzir serviços de streaming para competir com a Netflix, valorizaram o número de assinantes acima de qualquer outra coisa.

Havia apenas um problema: a geração de caixa ou lucro.

As empresas perderam dinheiro e Wall Street virou as costas aos seus negócios. Portanto, os executivos precisaram recuar. Avalanches de séries de baixo custo, como dramas médicos, programas jurídicos e comédias do tipo pastelão não foram suficientes para equilibrar as contas com produções menos onerosas. Os cancelamentos, inclusive, aumentaram.

Os consumidores ainda podem evitar a maioria dos anúncios, se pagarem o preço. A maioria dos serviços de streaming ainda tem uma versão sem anúncios, incluindo a Amazon, que exige que os assinantes paguem US$ 3 a mais por mês para ignorálos. E é preciso ser justo e mencionar que a Apple TV+ é o único sistema que continua a oferecer uma experiência sem anúncios.

Porém, os planos comerciais serão cada vez mais essenciais para o balanço das empresas de streaming. E como estamos na era do consumidor no centro, apesar de um grupo resistente e vocal nas redes sociais, na verdade esse movimento vem amparado na receptividade dos consumidores. Os americanos, especificamente, estão cada vez mais abertos a optar por anúncios em troca de economias em sua conta de assinatura mensal, segundo novos dados da Hub Entertainment Research, em pesquisa semestral com mais de três mil assinantes: em junho de 2022, 44% dos entrevistados afirmaram que pagariam de US$ 4 a US$ 5 a mais por mês por um serviço de streaming se isso significasse nenhum anúncio. Em dezembro de 2023, esse número caiu para 31%, uma mudança descendente de 13 pontos na disposição dos usuários de pagar para evitar anúncios.

A recente transição das plataformas de streaming gera tensão na vida online: quem está pagando por tudo isso? A internet foi construída, de forma um tanto instável, sobre uma base de anúncios. Os consumidores passaram a esperar conteúdo gratuito em troca da veiculação de anúncios — como diz outro velho ditado: “Se você não está pagando pelo produto, você é o produto”. Agora os consumidores enfrentam uma escolha: você prefere receber anúncios ou pagar mais para evitá-los? Mesmo os críticos da proliferação de anúncios reconhecem que as pessoas podem simplesmente não estar dispostas ou não ser capazes de comprar uma subscrição para tudo o que utilizam online. Assim, o streaming avança ainda mais na direção da internet: sempre em dívida com o poder do anúncio.

Mas os executivos comerciais tentaram garantir aos assinantes que, embora a publicidade esteja de volta, não será tão avassaladora como na televisão tradicional.

“Sempre existiu essa ideia de que as pessoas não gostam de publicidade”, disse Rita Ferro, presidente de vendas de publicidade da Disney. “As pessoas não gostam de publicidade negativa ou de uma experiência publicitária ruim.” Segundo Ferro, no mundo rico em dados do streaming, a experiência publicitária é mais interessante do que na televisão tradicional, e a empresa sabe quais são as preferências de visualização de uma pessoa e “quais produtos são relevantes para você”. Eu não conheço a Rita, mas tendo a concordar com ela. Para suportar a afirmação dela, a mesma pesquisa da Hub faz um apontamento bem curioso sobre a elasticidade de tolerância do assinante com os intervalos comerciais: 38% dos consumidores relataram que escolheriam um serviço de streaming em vez de outro se ele oferecesse um carregamento de anúncios mais leve (o que significa intervalos mais curtos e/ou menos anúncios), com o limite de duração aceitável dos intervalos comerciais inferior a 60 segundos. Na verdade, 46% dos entrevistados afirmaram que são mais propensos a prestar atenção aos anúncios se, A, o intervalo total do anúncio for mais curto e, B, o criativo do anúncio específico em si também for mais curto. Depois que o intervalo comercial ultrapassa a marca dos 90 segundos, a aprovação do consumidor despenca abaixo de 20%.

Para dar suporte a fala da Rita é preciso dizer que sim, a incursão da Netflix na publicidade, que começou há um ano e meio, está cada vez mais complexa, com uma plataforma interna de tecnologia de publicidade, novos parceiros programáticos e locais adicionais onde as marcas podem colocar anúncios como, por exemplo, de forma virtual dentro do ringue onde acontecerá uma luta entre Jake Paul e Mike Tyson. O Amazon Prime Video, com apenas alguns meses de experiência apoiada por anúncios, está lançando formatos de anúncios adicionais para anunciantes, incluindo anúncios de pausa interativos (já lançados pela Globoplay) e uma nova camada de segmentação comportamental nas compras.

Vamos todos nos readaptar mais uma vez: telespectadores, anunciantes e agências.

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