Assinar

A vez da visão imperfeita

Buscar
Publicidade
Opinião

A vez da visão imperfeita

Numa organização em rede, cooperação muitas vezes faz mais sentido que competição


7 de dezembro de 2018 - 10h56

Projeto da Nike em parceria com o Coletivo Mooc (Crédito: reprodução)

Os visionários sempre ocuparam um lugar especial nas crônicas criativas. Lendas de gênios singulares, dos mais famosos compositores clássicos aos grandes arquitetos da era industrial, que em lampejos de inspiração única conceberam obras completas e definitivas, povoam nosso imaginário e nossas expectativas profissionais. Hoje, vejo a enxurrada de talentos e trabalhos que as redes abrigam em formatos e intensidades diferentes, tão instantâneos quanto incríveis, como uma imensa repaginada nessa mentalidade.

Momentos visionários tornaram pessoas comuns em mitos, talvez desde os primeiros desenhos nas cavernas. Já contei aqui neste espaço a história de Ferdinand Cheval, carteiro francês que no final do século 19 tropeçou numa pedra e a reconheceu como um fragmento da construção magnífica com a qual tinha sonhado anos antes. A partir daquele encontro acidental com um pedaço materializado de sua visão, passou os 30 anos seguintes recolhendo outras pedras pelo caminho e construindo sua obra, o Palácio Ideal, uma das mais famosas obras de “art naif” do mundo. Quando era estudante de arquitetura, me divertia com a ideia de um improvável Cheval trocando ideias com Le Corbusier e Niemeyer. Muitos destes gênios já nascem prontos. Contam que Frida Kahlo e Michel Basquiat, por exemplo, eram verdadeiras usinas de ideias e já chegaram sabendo tudo. O mundo precisa desesperadamente de mais gente como eles, que além de solitários momentos extremamente visionários, também produziram grandes colaborações criativas.

Agora tudo ficou mais divertido, mais acessível, já que uma grande novidade da vida em rede é o florescimento de visionários imperfeitos, de talentos instantâneos que sabem capturar um momento de brilho e iniciar uma ideia, colocá-la em movimento. Talentos que sabem colaborar e trazer valor criativo para a mesa enquanto mudam seus pontos de vista com o impacto das ideias de outros talentos. Talentos que sabem dar um começo pequeno para ideias grandes, agregar novas visões no caminho e torná-las gigantes ao longo do tempo.

Numa organização em rede, cooperação muitas vezes faz mais sentido que competição. No que diz respeito à construção de modelos de negócios ou narrativas criativas, nas redes um modelo suporta o outro, uma narrativa influencia a outra. Nos negócios, o modelo em rede gera ecossistemas de parcerias onde a diversidade de focos dilui os riscos e amplia a probabilidade de geração de novas ideias. Na produção criativa, onde o olho está na conexão imprevisível, na revelação de novas possibilidades, a rede abre um jogo interessantíssimo de vai e volta de ideias, onde cada movimento gera uma nova visão.

Às vezes, a abordagem toda é original, surpreendente. Um exemplo bacana é o Brechó Replay, que vai desconstruindo e reconstruindo a moda, a mídia e a representação de gêneros em narrativas editoriais, performances, festas e desfiles. Vão inventando histórias totalmente novas buscando elementos nas redes e trabalhando em colaboração com outros times criativos. Para eles, entrar nas narrativas das marcas é um movimento natural, parte da proposta de criar conexões genuínas, como no começo do ano quando trabalharam com o coletivo Mooc e o Lumen Craft em uma performance para a Nike, celebrando o Air Max Day.

As redes oferecem ambientes onde as invenções não precisam nascer prontas e gigantes para ganhar o direito da vida. Elas vivem numa estrutura na qual as ideias colidem e ganham substância enquanto redefinem suas rotas: uma ideia desvia a outra para um lugar onde, possivelmente, visões originais não alcançariam. Meio que a sobrevivência do mais forte sendo substituída pelo avanço do mais adaptável.

As redes servem para botar fim na unanimidade criativa. Se nada nos apanhar de surpresa no meio de suas múltiplas correntes, está na hora de esticarmos nossas bolhas.

 

*Crédito da foto no topo: Vedanti/Pexels

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Quando menos é muito mais

    As agências independentes provam que escala não é sinônimo de relevância

  • Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?

    Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo