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Opinião

As CNTP do corporativo

Amadurecer o entendimento de quem a gente é e o que quer é o que nos leva adiante


26 de fevereiro de 2024 - 6h00

O papo de hoje é algo que fica entre uma reflexão e um desabafo. Nesses últimos meses tenho pensado muito sobre as CNTP (condições normais de temperatura e pressão) que precisam existir para pensamentos e ideias originais serem criados e executados. Parte dessa reflexão vem porque a rotina, em algum momento, sempre me traz a necessidade de reconectar com o porquê eu me apaixonei por essa profissão. Parte porque eu estou sempre buscando formas de me emocionar mais com o que eu faço. Não estou falando de me emocionar no sentido de chorar com propaganda que tem uma mensagem linda – isso eu gosto também – mas me emocionar em ver um pensamento novo, ver uma marca que mudou as regras do jogo, que conseguiu olhar para as pessoas além da lente consumidor e tocou em pontos que criam a sensação de um antes e depois da ideia.

Dizem que feedback é um presente, e mais de uma vez me aconselharam a ser “menos romântica” com essa indústria, a entender que no final do dia nós trabalhamos com vendas, para acionistas, que o jogo corporativo é para os “tubarões”, e crescer (rápido) tem mais a ver com nossa capacidade de relacionamento e “trabalhar pra cima” do que essencialmente com o seu talento e o histórico do que você fez ao longo da carreira. Quando ouvi isso pela primeira vez, minha imediata reação foi acreditar que eu não tinha uma visão apurada das coisas e ir atrás de “melhorar”. Até porque não faltavam exemplos de lideranças que cresceram nesse contexto, com essa visão e comportamento. “Se você quer crescer no mundo corporativo, essas são as regras do jogo.”.

Como diz um dos clássicos da nossa música “o tempo passou e eu sofri calado”. Talvez não tão calada, mas avançando sempre com uma sensação de que eu precisava entregar o dobro para conseguir metade do que muitos colegas recebiam. Ao longo do caminho essa sensação me fez questionar a minha capacidade, mas acima disso, a minha vontade de fazer parte dessa indústria. Tentar equilibrar desejo com realidade é um desafio intrinsecamente humano. Fui entendendo que a verdade mora em algum lugar no meio disso tudo. Entendi também que não sou eu quem faz as regras do jogo. Mas, o que me levou mais tempo do que eu gostaria para entender é que sou eu quem define como jogar esse jogo. A minha barra sou eu. A sua, é você.

O lugar onde eu melhor me encontrei até agora foi no crescimento que vem através da construção de bons relacionamentos como consequência de boas experiências de trabalho e boas entregas. Ter a intenção de construir um ambiente de respeito e saudável onde ideias originais têm chance de florescer. Entender que eu me realizo muito mais construindo ideias que entregam o que precisam no curto prazo, mas foram desenhadas para sobreviverem ao tempo. Construir bases sólidas para não caírem na primeira ventania. E que, provavelmente, boa parte do resultado virá quando eu já não estiver mais naquela posição, empresa, o que for. E isso não ser um problema. Fato que esse lugar tem uma velocidade diferente da que vem com o que eu vou chamar de clássico jogo corporativo – que também é uma escolha legítima. E foi um processo duro entender e aceitar que não é a minha direção, sem achar que isso me tira do jogo.

Trouxe esse tema aqui também porque tenho ouvido e conversado muito com colegas, mentores, mentores reversos, amigos e alunos sobre a dificuldade e a aversão a “jogar o jogo corporativo” e um receio e constatação de que isso limita o crescimento. A dificuldade de conviver com a ascensão de pessoas que julgamos não construir para fora tão bem quanto constroem para dentro, “passando sempre na frente”. A clareza da diferença de critérios e a incerteza de como abordar tudo isso.

O que eu posso devolver e dividir sobre o tema é: entenda o seu porquê. Não existe somente um porquê, portanto, não pode existir somente um caminho. Se o que você quer mesmo é ter um grande cargo que vem com um grande dinheiro, existe um caminho para isso. Se você quer construir histórias únicas, trabalhar no campo da inovação, saiba que existe um outro caminho para isso. Se você só quer um trabalho que te dê dinheiro suficiente para fazer tudo o que você quer fazer e viver fora do trabalho, também existe um caminho para isso. E outros mais.

A gente se perde quando está seguindo o caminho do outro ou quando deixa o outro te dizer até onde você pode ir e como. Amadurecer o entendimento de quem a gente é e o que quer, eu acredito, é o que nos leva adiante. Não evita que a gente se frustre, mas nos traz de volta ao nosso centro mais rápido. Eu prefiro sentar em uma cadeira por mais tempo e aprender a fazer algo uma, duas, sete vezes, a crescer rapidamente e virar uma líder com pouca experiência que, por consequência, cria um ambiente insalubre para quem está no time e para os parceiros. Eu prefiro batalhar para transformar uma cultura do que entregar o arroz com feijão e evitar criar qualquer ruptura. Eu prefiro arriscar com uma ideia poderosa a ter medo de errar e me expor. Eu prefiro continuar com toques de romance na forma como eu vejo essa indústria e acreditar que é melhor tentar repensar as regras do jogo do que ter que me limitar para segui-las.

Aqui não há promessas de solução nem de certezas, mas me ensinaram que dividir o que gente aprende é bom para o outro e melhor para a gente.

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