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Opinião

Julio Ribeiro: conceito, carisma e brilho incansáveis

Legado de Julio Ribeiro deve ser valorizado para que as novas gerações não passem ao largo de histórias e campanhas memoráveis


3 de fevereiro de 2018 - 18h28

Na década de 1970, o setor automobilístico era bastante centralizado, com pouquíssimos competidores. A Volkswagen abocanhava 80% dele e o Fusca, carro mais barato e mais popular em todo o País, ostentava também a imagem de ser o mais resistente e econômico. Além disso, o comportamento do consumidor no ato da compra era infalível: levava muito mais em consideração a imagem que o carro pretendido tinha no mercado do que as características técnicas de cada veículo. Assim, um modelo de automóvel refletia de maneira muito nítida o segmento social a que pertencia o comprador e o status atribuído por ele ou à sua família. Esse padrão de comportamento não mudou até hoje. A grande diferença, no entanto, é que atualmente o número de ofertas e opções disponíveis é infinitamente maior devido à abertura do mercado, iniciada no começo dos anos 1990.

Até então, o mercado brasileiro de automóveis era dominado por apenas três grandes montadoras (Volkswagen, General Motors e Ford). Em março de 1973, a celebração do acordo de interesse entre a Fiat e o governo de Minas Gerais lançou a pedra fundamental da fábrica da montadora italiana no Brasil. Esse fato foi encarado pelas principais agências de publicidade do Brasil como uma grande oportunidade para marcar território em um dos mais importantes segmentos econômicos. Todas lançaram mãos de suas armas para fazer bonito na disputa por essa promissora conta. Uma dessas agências era a Casabranca, que tinha como sócios Júlio Ribeiro, Sérgio Graciotti, Antonio José Fonseca Pires e Armando Mihanovith e já atendia a conta da Fiat Caminhões. Por conta disso, em uma viagem a Nova York, Ribeiro conheceu o publicitário Carl Ally, dono da agência do mesmo nome, que tinha a conta da Fiat nos Estados Unidos. Os dois tornaram-se amigos.

Quando o sócio da Casabranca soube que a Fiat Automóveis estava preparando sua entrada no Brasil, acionou Ally e, paralelamente, entrou em contato com um executivo da montadora que viera ao Brasil, Vicenzo Barello, a quem já conhecia por causa do atendimento à conta de caminhões. Júlio Ribeiro, então fez a seguinte proposta ao executivo: realizar um amplo estudo mercadológico para mapear o comportamento do consumidor, o posicionamento dos concorrentes e as oportunidades sem nenhum ônus para a empresa. Se eles gostassem, a Casabranca já estaria pré-qualificada para a concorrência. Ao mesmo tempo, Júlio Ribeiro propôs a Carl Ally que abrisse uma filial da sua agência no Brasil em associação com a Casabranca.

Dias antes da apresentação para a cúpula da Fiat, Ribeiro descobriu que o homem-chave para a decisão de escolher a agência no Brasil só falava italiano. Imediatamente, contratou um professor que o ajudou a fazer uma versão da apresentação em italiano e decorá-la no idioma natal da Fiat. O único risco era ser interpelado com perguntas, pois sabia de cor em italiano apenas o que havia ensaiado. No entanto, o talento de Ribeiro para encantar clientes, fazer excelentes apresentações (mesmo em idiomas que não dominava) e conquistar contas falou mais alto e ele conseguiu seduzir os executivos italianos da Fiat. O próprio Ally assistiu à apresentação e ficou tão seguro com o que foi mostrado que disse que não precisava de uma operação conjunta no Brasil para atender a conta, pois confiava totalmente na Casabranca.

Paralelamente, as agências que competiam pela conta da montadora corriam para fazer bonito na concorrência. Durante o processo, todas apresentaram campanhas prontas, enquanto a vantagem da Casabranca era o amplo estudo de mercado que havia realizado, salientando as dificuldades existentes para vender aquele design no nosso país, acostumado ao Fusca ou ao modelo americano de carros bojudões. Em vez de apresentar peças, Júlio Ribeiro mostrou uma proposta de posicionamento de um produto novo no mercado e sugestões de como ele deveria atuar para reverter um quadro que, a princípio, lhe era bastante desfavorável. Resultado: a Casabranca conquistou a conta. Logo após esse episódio, a agência viria a se associar à MPM em São Paulo.

Essa passagem dá a exata dimensão do talento e capacidade de realização de Júlio Ribeiro. Foi, porém, na Talent, fundada em 1980, após sua saída da MPM, que conseguiu materializar essa sua obstinação por conceituar e abrir estradas criativas altamente férteis para inúmeras marcas e empresas cujas campanhas entraram para o caldeirão da cultura popular brasileira nas últimas quatro décadas.

Entrevistar Júlio Ribeiro também era uma satisfação para qualquer jornalista. Dava contexto, exemplos e conceitos com precisão cirúrgica. Seu generoso repertório intelectual seduzia qualquer interlocutor. Foram inúmeras as vezes em que tive o prazer de uma boa conversa com ele. O entrevistei no final de 2014, quando anunciou sua saída da Talent e contou as razões que o levaram a esperar 30 anos para vender a agência, que desde sua fundação fora extremamente assediada por grupos estrangeiros, e seu plano de fundar uma consultoria, aos 80 anos.

Alguns meses depois, ele me procurou, pedindo minha ajuda profissional para comunicar o seu novo negócio ao mercado. Eu estava em processo de saída do Meio & Mensagem e me senti honrada com o convite. Durante o primeiro semestre de 2015, convivemos intensamente, ele estruturando sua JRP e eu me preparando para trocar de pele após mais de 20 anos como jornalista de redação e me transformando em consultora e profissional de relações públicas.

Já era visível, em muitos momentos, sua fragilidade física. No entanto, quando ele começava a falar de seus planos e me mostrar a planta da reforma do escritório de 450 metros quadrados que acabara de alugar, o charme e o encanto do homem de cujos conceitos saíram campanhas tão importantes da publicidade brasileira o enchiam de luz e energia contagiante. Sabia que estava sendo testemunha de um ocaso espetacular e isso era ao mesmo tempo extremamente perturbador. Seu legado deve ser valorizado para que as novas gerações não passem ao largo de histórias e campanhas memoráveis nestes tempos de abundância de informações, conceitos rasos e ideias efêmeras.

 

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