Opinião

Alinhamento de competências e novas relações de trabalho

A senioridade é essencial na tomada de decisões, mas lideres resistentes a novas tecnologias estarão sob risco

Regina Augusto

Diretora Executiva do Cenp e Curadora de Conteúdo do Women to Watch 29 de setembro de 2025 - 14h00

Pela primeira vez na história, o Brasil registrou mais alunos em cursos de graduação a distância (EAD) do que na modalidade presencial. De acordo com dados do Censo do Ensino Superior 2024, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação, 5,18 milhões dos 10,22 milhões de universitários do País estavam no EAD no ano passado, o equivalente a 50,7% do total. A maior parte dessas matrículas está concentrada nas faculdades particulares.

A educação, de várias formas, ocupa um lugar primordial na minha jornada pessoal e profissional. Desde o início de 2024, me tornei professora universitária, atividade que me enche de orgulho e por meio da qual sou desafiada de diferentes formas a provocar meus alunos e alunas sobre como eles podem ser bem-sucedidos no mercado de trabalho, em especial na área de comunicação, diante do contexto atual.

O histórico dos dados do Inep demonstra que desde 2014, o número de ingressantes em cursos presenciais diminuiu 30%. Naquele ano, essa modalidade registrou 2,38 milhões de novas matrículas, ou seja, com 720 mil alunos a mais do que em 2024. Já os cursos a distância tiveram um aumento de 360% no número de ingressantes. Em 2024, eles receberam 727 mil novos alunos.

Essa virada histórica do ensino superior no Brasil coincide com um momento em que a inteligência artificial (IA) acelera mudanças estruturais no mercado de trabalho. Não se trata apenas de como os jovens profissionais entram no mercado, mas também de como as relações de trabalho se reconfiguram e de como os profissionais mais sêniores, que hoje ocupam cargos mais qualificados e de liderança, precisarão se reposicionar para continuarem competitivos.

Para a indústria da comunicação, essa tempestade perfeita traz algumas implicações que já reconfiguram as relações de trabalho, desafiando as empresas e os talentos.

A primeira é que as relações serão cada vez mais fluidas. O mercado publicitário, já marcado por alta rotatividade e informalidade em alguns segmentos, tende a se fragmentar ainda mais. Com a IA barateando processos como criação e produção de peças, redação de textos ou análise inicial de dados, muitas agências e anunciantes reduzem equipes fixas e recorrem a freelancers ou squads temporários. Isso fortalece modelos de trabalho por projeto, contratos flexíveis e até parcerias globais via plataformas digitais. A tradicional estrutura piramidal cede espaço a equipes mais horizontais, enxutas e modulares.

Uma segunda tendência que essa transformação coloca diante dos profissionais – sejam eles jovens ou mais experientes – diz respeito às novas habilidades exigidas. Em qualquer estágio da carreira, a exigência vai além do domínio criativo. Serão necessárias competências que alinhem também:

  1. Letramento em IA, curadoria criativa e crítica: aqui o olhar humano é, pelo menos por enquanto, imprescindível;
  2. Gestão de dados e métricas para poder interpretar resultados e transformá-los em insights estratégicos. Afinal, a palavra de ordem é eficiência;
  3. Habilidades socioemocionais para poder “vender” da melhor maneira os projetos, negociar e desenvolver a tão necessária visão crítica — capacidades que a IA ainda não consegue replicar.

Uma terceira camada de impacto é como toda essa mudança nas relações de trabalho afeta os profissionais mais sêniores. Se os jovens enfrentam o desafio de se diferenciar em um mercado mais saturado, os mais experientes vivem uma outra tensão: como se manter relevantes em meio a uma tecnologia que parece “acelerar” a carreira dos mais novos.

Algumas implicações dessa apreensão passam pela necessidade de reposicionamento do papel dos líderes, que deixam de ser gestores tradicionais para atuarem como orquestradores de talentos e tecnologias, mediando a relação entre máquinas e pessoas.

O risco da obsolescência é real: aqueles que resistirem a adotar novas ferramentas podem perder espaço para perfis híbridos — profissionais mais jovens, porém já fluentes em IA, capazes de entregar com mais agilidade. Aí que entra a chamada experiência estratégica. A senioridade continua essencial nas tomadas de decisões, especialmente as mais complexas e que exigem visão de longo prazo. A diferença é que a autoridade agora não vem apenas da experiência acumulada, mas da capacidade de integrar essa bagagem a novas formas de trabalho e tecnologia.

Esse reposicionamento exige uma transição de modelo mental – do controle centralizado para a mentoria e curadoria. Os profissionais mais sêniores passam a ser menos “executores” e mais “guias” no processo criativo e estratégico.

Em meio a notícias frequentes de demissõs em massa, convergência entre EAD em expansão e IA em ascensão, o futuro das relações no mercado de comunicação não passa apenas em saber quantos profissionais estarão disponíveis, mas em como eles se relacionarão com o trabalho.

São urgentes e necessárias mudanças também na oferta dos cursos de formação, desde os de graduação, que precisam ser redesenhados para diminuírem as lacunas entre o que se aprende nos cursos mais genéricos e menos práticos e o que o mercado demanda. E na ponta das atualizações constantes para os profissionais que já estão no mercado, com a tão necessária jornada de life long learning, é fundamental a adaptabilidade para que possam ser mediadores entre criatividade humana e eficiência algorítmica.