Inteligência artificial e o espelho da nossa consciência
Ao formularmos um prompt, a IA responde na mesma medida da nossa própria formulação de mundo
O que mais surpreende na inteligência artificial (IA) talvez não seja o que ela faz por nós, mas o que começa a devolver sobre nós mesmos.
Não falo apenas de algoritmos que nos conhecem melhor do que nossos amigos, mas de um espelho que, vez ou outra, revela o que preferiríamos não ver: nossos vieses, nossas incoerências, nossa dificuldade crônica em lidar com complexidade e incerteza.
A IA generativa (GenAI, na sigla inglesa) é alimentada por dados humanos: palavras, decisões, padrões, crenças, desejos e medos. Aprende observando a gente. Não é inteligente no sentido humano; é reflexo. Nos devolve, com precisão matemática, nossos próprios modos de pensar, criar, julgar e resolver problemas.
Como disse Peter Diamandis no Rio Innovation Week 2025: IA é inteligência amplificada, não artificial. Ou seja: quanto mais inteligentes formos (no sentido de capacidade de analisar e resolver problemas), mais inteligente ela será.
Esse espelhamento mostra tanto o melhor quanto o pior da humanidade: preconceitos, repetições medíocres, mas também criatividade, potência analítica, sensibilidade e capacidade de gerar beleza. Ao formularmos um prompt, ela responde na mesma medida da nossa própria formulação de mundo.
Ao contrário do que muitos esperam, a IA não nos salva da mediocridade criativa. Apenas a escala. Se entramos nesse jogo apenas para parecer inovadores, otimizar processos ou entregar algo rápido e “bonitinho”, é exatamente isso que ela devolve: mais do mesmo. Em velocidade industrial.
Usar a IA como espelho é praticar metacognição, ou seja, pensar sobre como pensamos. E isso é desconfortável. Nos negócios, expõe o nível de coerência, diversidade e sofisticação do pensamento da organização. Na educação, mostra se ensinamos a pensar ou apenas a repetir. Na sociedade, escancara padrões coletivos que preferiríamos negar.
A armadilha é acreditar que esse espelho é neutro. Não é. Ele foi moldado por quem detém poder, voz e dados. Isso significa filtro, viés e lacunas. Sem consciência crítica, corremos o risco de reforçar visões estreitas, excludentes e simplistas. Agora imagine o tamanho do problema quando, como mostrou um estudo recente da Harvard Business Review, o uso mais comum da GenAI em 2025 é “fazer terapia”!
Pela primeira vez, temos máquinas capazes de aprender e responder em escala quase infinita. Mas isso não nos torna mais sábios. Inteligência não é consciência. E a distância entre as duas pode definir se teremos um futuro admirável ou distópico.
Mesmo com supercomputadores no bolso, nossa consciência social segue em “versão beta”, presa a padrões tribais, polarizações e disputas de poder que corroem a cooperação. Yuval Harari já alertava: a tecnologia corre muito mais rápido que nossa capacidade ética e emocional de usá-la.
Mas, se usarmos a IA como espelho da nossa melhor intenção, para criar o novo, provocar o invisível, nomear o que ainda não foi dito, ela pode se tornar uma ponte. Um salto de consciência. Uma extensão simbólica daquilo que ainda estamos aprendendo a sentir.
O futuro não será apenas a soma dos próximos avanços tecnológicos. Será, acima de tudo, o reflexo da maturidade, ou da imaturidade, da nossa consciência coletiva. Seja qual for o destino da IA, o que vai importar mesmo é quem nos tornamos ao longo dessa jornada