O futebol precisa de mais marketing
Alguns clubes europeus dão aula de como o sucesso pode ser construído para além do desempenho esportivo
Todo bom marqueteiro sabe a importância de um posicionamento de marca bem definido. Quando bem construído, esclarece quem a marca é, e quem ela não é; cria diferenciação; orienta campanhas, patrocínios, design e tom de voz; fortalece reconhecimento e lealdade; e sustenta preços mais altos, gerando melhores resultados de negócios.
Infelizmente, essa teoria raramente é aplicada com consistência ao futebol. Na maioria dos clubes, o marketing cumpre um papel secundário de apoio à área comercial: prepara propostas para potenciais patrocinadores, desenvolve ativos para ativação de contratos, lança uniformes a cada temporada e administra as redes sociais.
No Brasil, o posicionamento costuma ser definido por atributos superficiais e pouco diferenciadores: o maior, o mais antigo, o mais querido, o time dessa ou daquela comunidade, o clube da cidade tal, ou o clube daquelas cores. Raramente um time se destaca por valores estratégicos, deliberadamente construídos pela sua administração.
Na Europa, no entanto, há bons exemplos de clubes que se diferenciam por posicionamentos de marca claros e únicos.
O pequeno clube inglês Forest Green Rovers foi reconhecido pela Fifa como “o clube de futebol mais verde do mundo”. Foi também o primeiro a conquistar a certificação de neutralidade de carbono, pela iniciativa Climate Neutral Now, da ONU.
Seu posicionamento é vivido no dia a dia: alimentação totalmente vegana no estádio (para jogadores, equipe e torcedores), uso de energia renovável, gramado orgânico, cortador de grama movido a energia limpa, reaproveitamento de água e uniformes feitos com materiais reciclados.
O Athletic Club, de Bilbao, é definido pela autenticidade e pela tradição basca. O clube mantém há mais de um século a política conhecida como cantera, que restringe o elenco a jogadores nascidos no País Basco (ou em territórios culturalmente bascos, como Navarra e o País Basco francês) ou formados em clubes locais desde jovens. Essa filosofia é um dos maiores símbolos de identidade do clube. Apesar da restrição, o Athletic jamais foi rebaixado para a segunda divisão espanhola.
O Paris Saint-Germain se apropria do prestígio de Paris, capital mundial da moda, para associar-se à criatividade e ao design. Construiu colaborações com marcas como Jordan Brand (Nike), Dior, Balmain, BAPE, Levi’s, Stüssy, Hublot e Swarovski, transformando uniformes em peças de moda usadas por celebridades como Drake, Rihanna e Travis Scott. Com isso, deixou de ser apenas um clube de futebol para tornar-se um ícone de lifestyle global.
Às margens do Lago de Como, na Itália, o Como 1907 é um dos exemplos mais interessantes de reposicionamento de marca no futebol recente. Até pouco tempo atrás relegado à quarta divisão, o clube conquistou três acessos em cinco anos, voltou à Serie A e multiplicou seu valor de mercado quase 30 vezes, desde 2020.
Embora, como outros clubes, tenha investidores bilionários, o diferencial do Como está no marketing. Mais do que vitórias em campo, o clube criou uma identidade própria associada ao turismo de luxo, à exclusividade e ao estilo de vida local. O futebol é o produto central, mas a proposta de valor vai além: combina entretenimento, hospitalidade e cultura regional.
A chegada de Cesc Fàbregas, primeiro como jogador, depois como acionista e treinador principal, e de Thierry Henry como investidor minoritário reforçou a narrativa. O clube passou a receber celebridades em seus jogos, aproveitando essa visibilidade internacional para lançar experiências premium de hospitalidade, pacotes turísticos e parcerias comerciais que ampliam o alcance da marca.
Nenhuma narrativa de estilo, por si só, garante sucesso esportivo. Mas o Como 1907 mostra que, com um posicionamento de marca claro e um marketing inteligente, é possível potencializar receitas tradicionais (direitos de TV, hospitalidade, patrocínios) e acelerar o crescimento de um clube de futebol.