Inteligência artificial causando disputas
Como o caso Rolling Stone x Google expõe ameaças ao jornalismo e à economia da criação
Uma ação judicial movida pela Penske Media, responsável por títulos como Rolling Stone, Billboard e Variety, colocou novamente em evidência a tensão entre gigantes da tecnologia e a indústria de mídia.
A editora acusa o Google de utilizar trechos de suas reportagens para alimentar resumos automáticos de inteligência artificial exibidos diretamente nos resultados de busca, sem autorização ou remuneração.
O caso foi protocolado em um tribunal federal em Washington e pode se tornar um divisor de águas no debate sobre propriedade intelectual no ambiente digital.
A Penske afirma que perdeu mais de um terço do faturamento proveniente de buscas em 2025, já que os usuários muitas vezes consomem a informação no resumo do Google e deixam de acessar os sites originais.
Este cenário alarmante levanta a questão: se até grandes veículos estão sendo drenados dessa forma, o que sobra para a imensa economia de criadores, que hoje vive de visibilidade, autoria e conexão direta com o público?
A disputa vai muito além de cliques ou receita publicitária e nos coloca frente a frente a um dilema de mercado: como manter vivo o incentivo de quem cria, investiga e apura, quando a IA avança sobre direitos de propriedade intelectual e transforma conteúdo em insumo gratuito para suas próprias plataformas?
O Google argumenta que os resumos de IA ampliam o acesso à informação. Mas a pergunta é: como essas informações estão sendo extraídas e dispostas? Só porque uma Big Tech diz que “é avanço” vamos ignorar os marcos regulatórios conquistados até aqui, da proteção autoral às regras de concorrência leal?
Essa tensão não é apenas um embate jurídico. Ela desnuda um desequilíbrio estrutural que atinge diretamente publishers e criadores, os verdadeiros alvos desse processo de apropriação.
Embora estejam posicionadas na outra ponta da cadeira produtiva, as marcas também devem sentir as consequências, uma vez que se o conteúdo de qualidade e credibilidade desaparece, o ambiente onde campanhas prosperam também perde força.
Mas, diferentemente dos publishers, elas ainda têm alternativas: migram para criadores, buscam novos canais, reconfiguram suas estratégias. Já para quem produz jornalismo e conteúdo autoral, o buraco é muito mais embaixo.
No Brasil, o alerta já deixou de ser apenas uma possibilidade e virou disputa judicial. Não muito tempo atrás, a Folha de S.Paulo processou a OpenAI, acusando a empresa de coletar e utilizar seus conteúdos sem autorização, tanto para treinar modelos quanto para exibi-los diretamente a usuários, em uma prática que o jornal classifica como concorrência desleal e violação de direitos autorais.
Quando até veículos de referência recorrem à Justiça para tentar frear o avanço de gigantes globais da tecnologia, fica evidente que estamos diante de uma era de inflexão: o consumo de informações passa a ser mediado por plataformas que concentram poder, ditam a forma de acesso e ainda operam em um cenário de regulação nebulosa.
O resultado é um desequilíbrio que ameaça não só o jornalismo, mas toda a economia criativa que depende de diversidade, autoria e legitimidade para prosperar.
Há ainda uma questão de confiança. Uma investigação da BBC aponta que resumos automatizados de IA podem apresentar erros factuais em até 50% dos casos. Em outras palavras: tentam reproduzir, de forma truncada, o trabalho de jornalistas e criadores, entregando fragmentos sem contexto e com alto risco de distorção.
Esse é o tipo de ambiente tóxico para qualquer forma de comunicação séria, do jornalismo às campanhas de marcas que dependem de autoridade.
O processo da Penske contra o Google, portanto, não é apenas mais uma rixa isolada contra a big tech. É um sinal de que a inteligência artificial precisa coexistir com modelos de licenciamento e remuneração que façam justiça a quem cria. Caso contrário, estaremos aceitando que os avanços da tecnologia ocorram às custas do enfraquecimento de quem sustenta o fluxo de informação e dá legitimidade à cadeia de comunicação como um todo.
A questão que fica é: vamos assistir passivamente à erosão das bases da economia da criação só porque algumas big techs decidiram chamar isso de “inovação”?