Opinião

“O frescor não é mais uma novidade” — mas é fresco

Quem conduz a manada enfrenta ou desvia-se das flutuações do clima, do solo, da economia e movimentos sociais

Fernand Alphen

Cofundador da Alphen & Porto 16 de setembro de 2025 - 14h00

No dia 7 de março de 1987, a maior recompensa do cinema francês premia o cineasta marginal Jean-Luc Godard com um César de honra. É a primeira vez que o prêmio é dado a um diretor vivo, que retruca: “vocês sabem, a margem é o que segura as páginas.”

Não são os pássaros do centro da revoada, os gnus da massa da migração, os grandes, complexos e burocráticos grupos que indicam o caminho.

Em todos os fenômenos da sociedade, quem está no centro não inova. Quem está no centro descansa, espera, copia, escala. E morre. Inclusive nos negócios. Em particular, na indústria da comunicação.

Por vários e óbvios motivos, mas o principal deles é quase biológico: quem está na margem lidera a inovação porque pode — e gosta — do risco. Quem conduz a manada enfrenta ou desvia-se das flutuações do clima, do solo, da economia, dos movimentos sociais.

Quem tem sobrenome barroco e pedigree de muitas siglas herdadas não consegue, nem quer, liderar, porque o peso e a diluição do comando enguiçam a curiosidade. A margem sempre será mais atlética, malandra, antenada.

A indústria da comunicação no Brasil é um bom exemplo que confirma a regra. Vamos começar pelo fim: o Brasil.

O Brasil é um enorme mercado para as marcas multinacionais e foi nas suas asas que as agências estrangeiras desembarcaram. Era prático ter uma filial na selva que falasse um pouco de globlish (nosso inglês básico) e que aceitasse um comando colonial em troca de alguns upgrades de pacotilha (crachás, metodologias, viagens etc.).

Com o passar dos anos, o país se mostrou maior, mais importante e, principalmente, mais voluntarioso. Havia vida inteligente na Pindorama. Foi assim que surgiram pessoas à margem, portanto independentes — que criaram suas próprias agências, também independentes, que prosperaram, encheram aquários de prêmios, até que a aposentadoria os tornasse ricos ao venderem para os grandes grupos.

Quanto aos grupos, cedo ou tarde descobriam que o Brasil, apesar de grande, era um erro de arredondamento na receita global. E, assim, com monótona displicência, os burocratas de Rolex-aos-quarenta varriam do portfólio seus diamantes tropicais.

Então surgiu a tecnologia, o Deus ex-machina falacioso da sofisticação ágil e, principalmente, cara. Carésima. Proibitiva, a não ser para quem é grande, gringo e grogue. Mas vamos lá: o básico do básico, o beabá do principiante de qualquer escola de engenharia. Para que serve a tecnologia se não é para ser eficaz e eficiente, portanto, alcançar um objetivo com o menor dos recursos possíveis? Tecnologia cara é tecnologia imatura ou ruim.

Não, a tecnologia não é um diferencial. Tecnologia, por definição, é equalização.

A velocidade da adoção da inteligência artificial (IA) no Brasil é vertiginosa. Por quê? Porque é barato, fácil e acessível. Quem já teve acesso às carésimas ferramentas de IA que as siglas-cheias-de-pedigree-gringo compraram sabe: ainda que todo mundo fosse burro e não entendesse que a automação forçada é um lay-off antecipado, elas são cheias de regras de uso, protocolos e uma complexidade paralisante.

É claro que sempre haverá espaço para quem está no centro. Um largo espaço, porque a comunicação, a propaganda, não vivem só de inovação. Ainda há muito terreno para a interrupção, a perseguição, a insistência, para a performance, a gritaria, a ideinha-de-ChatGPT. Tem muito burn-out ainda to burn.

Mas, salvo exceções excepcionais que confirmam a regra — e quero crer que a agência da querida e talentosa Lica Bueno seja uma delas —, os grupos não podem, não conseguem e não querem estar na margem. Eles não podem, não conseguem e não querem ser inovadores.

Eles não podem, não conseguem e não querem ser criativos, inéditos, originais, frescos.

Porque não são independentes. São dependentes.