Alta infidelidade
Indústria da comunicação enfrenta desafio de amenizar angústia das pessoas frente ao crescente assédio por atenção
Nunca a humanidade teve acesso simultâneo a tantas mídias, e nunca o tempo dedicado a elas foi tão grande como agora.
Se, por um lado, a constatação óbvia representa o mais amplo espectro de negócios aberto para a indústria de comunicação, marketing e mídia, por outro, gera um de seus maiores problemas: o excesso no assédio ao público agrava a crise de disputa pela atenção das pessoas, estimuladas a fracionarem sua audiência a estímulos cada vez mais rápidos.
Conseguir engajamento duradouro é raro no atual cenário de alta infidelidade nas relações com conteúdos informativos, de entretenimento ou comerciais infidelidade essa que transcende a recepção de mensagens, passa pela enorme pulverização de meios e chega até o consumo de produtos e serviços.
O termo “economia da atenção” é atribuído ao economista, psicólogo e cientista político norte-americano Herbert Simon, que o teria cunhado pela primeira vez em 1971, portanto, muito antes de ver o efeito das mídias digitais sobre a sua teoria.
Na ocasião, ele já tratava a capacidade de gerenciamento de informações pelas pessoas como um bem escasso e o poder de capitanear sua atenção como uma mercadoria. Simon recebeu o Nobel de economia em 1978 e morreu em 2001.
Nas últimas décadas, há inúmeros estudos que tratam dos vícios comportamentais estimulados pelo uso excessivo da tecnologia. Um dos mais conhecidos é uma pesquisa realizada no Canadá pela Microsoft, na qual duas mil pessoas tiveram avaliadas sua capacidade de concentração em jogos online, com parte delas tendo monitorada sua atividade cerebral.
Conclusão da época: a capacidade de atenção humana teria caído da média de 12 segundos, no ano 2000, para oito segundos, em 2013 — o que os cientistas avaliaram como atenção média estimada menor do que a de um peixinho dourado.
Mais recentemente, a PhD em psicologia e professora de informática da Universidade da Califórnia, Gloria Mark, que se dedica a estudar o impacto da tecnologia digital, das multitarefas e das interrupções na vida das pessoas, publicou em seu livro Attention Span, de 2023, que o tempo médio de foco para indivíduos olhando para uma única tela caiu de 2,5 minutos, em 2004, para 47 segundos, em 2021.
A capacidade de atenção humana é determinante para o equilíbrio psicológico de todos nós, assim como para nossa produtividade, e um dos maiores problemas atuais para a indústria de comunicação, marketing e mídia, que depende do tempo e da qualidade de conexão das pessoas para calibrar o valor de seus produtos e serviços.
Portanto, é crucial que todos se dediquem a esse assunto e tentem encontrar caminhos para amenizar os problemas decorrentes da constatação de que o maior tempo de exposição a telas fraciona a atenção e prejudica o engajamento com foco e qualidade.
Nesse sentido, uma nova pesquisa foi lançada na semana passada no Brasil, envolvendo a agência de marketing de influência BR Media, a Publicis Brasil, a Nielsen e a Consumoteca, do consultor Michel Alcoforado.
Na parte quantitativa, o estudo entrevistou 1.926 consumidores brasileiros, no mês de junho, a fim de entender melhor seus hábitos de atenção em relação a marcas e influenciadores. A conclusão é que há um alto grau de desatenção e falta de memória: 46% dos entrevistados afirmaram não se lembrar de nenhuma publicidade que chamou sua atenção neste ano.
Um dos caminhos apontados para driblar esse problema é o de inserir as marcas em diferentes contextos e meios, o que tornaria mais fácil a lembrança, segundo 70% dos entrevistados.
O estudo conclui, ainda, que, no aspecto social, muitos momentos que envolvem escolhas deixaram de representar “liberdade” e passaram a significar “angústia”.
Tal sentimento não pode ser desconsiderado pelas marcas na hora de definirem quais serão suas estratégias para vencer o paradoxo das barreiras impostas pela enorme quantidade de informação circulando em ritmo acelerado.
É preciso encontrar maneiras criativas de falar com os consumidores já saturados de estímulos, sob pena de caírem na armadilha para a qual Herbert Simon já alertava, como bem lembra o estudo: “Uma riqueza de informações cria uma pobreza de atenção”.