Histórias não contadas
O papel do acesso e da inclusão no fomento de novos talentos do audiovisual brasileiro
A criatividade do brasileiro é amplamente reconhecida e motivo de orgulho nacional. Essa capacidade de inovar e produzir está profundamente ligada à riqueza de cultura e às múltiplas influências que compõem o nosso país. É desse mosaico cultural que surge a efervescência criativa que tanto admiramos.
O audiovisual brasileiro sempre foi um espaço de potência artística. E apesar de ser movido por essa energia poderosa de criação, o mercado também funciona como um reflexo da nossa sociedade. Quando encaramos esse espelho, nos deparamos com uma realidade que expõe duramente as desigualdades que ainda persistem no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% da população se declara preta ou parda, mas a presença dessas pessoas atrás das câmeras, como roteiristas, diretores e produtores, ainda é exceção.
Um levantamento da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), publicado em 2016, revelou que 97% dos filmes lançados no país naquele ano foram dirigidos por pessoas brancas. Homens negros assinaram apenas 2,1% das produções, e nenhuma mulher negra dirigiu ou roteirizou uma obra de ficção. Além disso, em 42% dos longas analisados não havia nenhum ator ou atriz negros no elenco. Em uma sociedade em que mais da metade da população é negra, esses números evidenciam o quanto o acesso às oportunidades na indústria audiovisual ainda é restrito.
O audiovisual é, em grande parte, uma indústria movida por relações e redes de contato. Existem poucos cursos que formam profissionais de maneira direta para o mercado, o que faz com que o acesso dependa, muitas vezes, de estar próximo das conexões certas. Quando olhamos para grupos historicamente marginalizados, como pessoas negras, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e não-binárias, percebemos que as barreiras de entrada são ainda mais altas. E não apenas no audiovisual: elas se somam às desigualdades estruturais que atravessam o cotidiano dessas pessoas em outras dimensões da vida.
Com o objetivo de romper esse ciclo, a Warner Bros. Discovery criou o WBD Access, uma plataforma global de desenvolvimento de talentos voltada a ampliar o acesso de profissionais de diferentes origens, trajetórias e vivências à indústria do entretenimento.
Na América Latina, a área de inclusão da WBD foi criada há cerca de quatro anos com o compromisso de tornar o setor mais acessível e representativo da sociedade em que vivemos. No Brasil, esse compromisso se traduz em iniciativas como o Narrativas Negras Não Contadas, desenvolvido em parceria com a WIP Narrative Design Studio. O projeto nasceu com o propósito de apoiar criadores negros brasileiros em início de carreira, oferecendo mentoria, capacitação e oportunidades de conexão com o mercado.
Durante o programa, dez participantes passam por um ciclo de mentorias e aulas teóricas e práticas com profissionais experientes do setor. Cada um deles chega com uma ideia original de documentário que busca contar uma história ligada à cultura negra do Brasil. São histórias que, muitas vezes, ainda não ganharam espaço nas telas. Ao final do processo, três projetos são selecionados para produção.
Essa estrutura, que une formação, troca e experiência prática, é o que diferencia o Narrativas Negras Não Contadas. O programa não se limita à capacitação técnica: ele proporciona algo ainda mais transformador, que é a vivência dentro do ecossistema audiovisual. Durante o percurso, os participantes não apenas aprendem, mas também se conectam, constroem redes de contato e passam a compreender o funcionamento real da indústria.
Desde sua primeira edição, realizada em 2024, o programa tem se destacado por gerar resultados concretos como a promoção de uma formação sólida e revelação de novos talentos, além do reconhecimento em premiações e pelo impacto que gera no mercado.
Mais do que remover barreiras de entrada, o programa também cumpre um papel simbólico ao evidenciar a importância de histórias inéditas contadas por novas perspectivas. É sobre reconhecer que a cultura brasileira é múltipla, diversa em suas origens e expressões, e que refletir essa pluralidade é essencial para o futuro da nossa indústria.
O entretenimento é uma poderosa ferramenta de transformação social. Ele molda imaginários, influencia percepções e ajuda a definir quem somos enquanto sociedade. Por isso, é fundamental que todas as pessoas possam se ver representadas e, principalmente, participar ativamente da criação dessas narrativas. Acredito que usar nossos privilégios de acesso para abrir caminhos é uma forma concreta de promover mudanças reais e significativas.
Em um momento em que tantas iniciativas de inclusão têm sido reduzidas ou interrompidas, é essencial reafirmar o compromisso com programas que ampliem o acesso e fortaleçam o senso de pertencimento dentro da indústria. O futuro do audiovisual brasileiro depende de nossa capacidade coletiva de abrir caminhos para todas as vozes. Quando o acesso se torna a regra, e não uma exceção, criamos uma indústria que não só reflete, mas transforma a sociedade.