Opinião

O novo consumidor da gôndola

A escolha de um item ou marca tornou-se uma declaração de valores, uma forma de afirmar identidade, responsabilidade e estilo de vida

Edmar Bulla

Fundador da Croma e estrategista de inovação e comportamento 14 de novembro de 2025 - 18h00

A gôndola do supermercado é mais do que um espaço de compra: é um espelho do comportamento social e um retrato das transformações culturais e econômicas do país. Nela, o arroz e o feijão seguem firmes como símbolo de identidade nacional, combinação que transcende a função alimentar e reforça o valor das raízes e da simplicidade. Ao mesmo tempo, os corredores revelam uma sociedade em transição, guiada por novas percepções de bem-estar, propósito e conveniência.

Oito em cada dez brasileiros (81%) se consideram adeptos de uma alimentação intuitiva, aquela que respeita a fome, o corpo e o prazer de comer, sem regras rígidas. Essa tendência é especialmente forte entre a geração Alfa (84%) e a geração Y (85%). O dado reflete um movimento de autoconhecimento e liberdade alimentar, em que o consumidor busca equilíbrio em vez de restrição.

Mas o comportamento alimentar não se limita à intuição. O flexitarianismo, abordagem que prioriza alimentos de origem vegetal sem eliminar totalmente os produtos animais, já representa 11% das preferências e cresce de forma constante entre as novas gerações, principalmente entre Baby Boomers (14%). Esse grupo de consumidores sinaliza um novo modo de pensar o consumo, menos binário, mais flexível e consciente. Na prática, é o reflexo de um consumidor que deseja contribuir para a sustentabilidade, sem abrir mão do prazer e da praticidade.

O estudo Tendências Alimentares dos Brasileiros, que idealizei junto a uma grande equipe de profissionais, aponta que quase metade dos brasileiros (48%) pretende mudar sua alimentação nos próximos anos, evidenciando um ciclo contínuo de transformação. Entre os jovens das gerações Z (52%) e Y (53%), a intenção de mudança é ainda mais expressiva, reforçando o papel das novas faixas etárias como vetores de inovação alimentar. O movimento combina curiosidade, experimentação e a busca por um propósito que transcende o ato de se alimentar.

Essas mudanças acontecem em meio à crescente influência do padrão alimentar ocidental, marcada pela urbanização e pela presença de ultraprocessados. Se, por um lado, a conveniência e o marketing transformaram o modo de comprar e comer, por outro, despertaram a consciência sobre os impactos na saúde pública.

O aumento das doenças crônicas e a redução do consumo de frutas, verduras e legumes trouxeram à tona a necessidade de repensar hábitos e políticas alimentares.

Ainda assim, a mesa brasileira conserva um espaço singular para o afeto e a memória. Comer continua sendo um ato de prazer, profundamente ligado à cultura e à sociabilidade. O tradicional “prato feito” ou o arroz com feijão gourmetizado por chefs renomados mostram que a modernidade não anulou o passado, apenas o reinterpretou. Essa fusão de sofisticação e origem traduz o espírito do novo consumidor: alguém que valoriza o sabor, mas também o significado do que consome.

Na gôndola, essa dualidade se materializa. Produtos com apelos naturais e sustentáveis convivem com opções ultraprocessadas, refletindo as contradições de um país em transformação. A escolha de um item ou marca tornou-se uma declaração de valores, uma forma de afirmar identidade, responsabilidade e estilo de vida.

Em um cenário em que o prazer de comer, a saúde e a sustentabilidade dividem espaço na mesma prateleira, o desafio está em equilibrar desejo e consciência. O novo consumidor brasileiro não apenas busca conveniência: ele procura coerência, entre o que come, o que acredita e o futuro que quer nutrir.