Opinião

Pertencimento não é tendência, é o que perpetua o negócio

O The Town já entendeu; mas o mercado parece que ainda não

Hóttmar Loch

Cofundador da Nohs Somos 17 de setembro de 2025 - 13h04

Pertencimento é o que gera comunidade. E comunidade é uma das forças mais transformadoras do nosso tempo.

Um relatório da Harvard Business Review de 2021 mostrou que marcas com comunidades ativas têm aumento de até 66% no engajamento e na fidelidade de clientes. Mas aqui há um ponto essencial: comunidade existe com ou sem negócio.

É inerente ao ser humano buscar pertencer a um grupo, como comprovam pesquisas clássicas da psicologia social desde Maslow (1943) até estudos recentes sobre vínculos sociais.

No entanto, já que vivemos em um mundo estruturado pelo capital, precisamos reconhecer que projetos sustentáveis exigem retorno financeiro. E se essa é a lógica que organiza o jogo, que seja feita de uma forma regenerativa: capaz de gerar valor econômico, sem abrir mão de devolver vitalidade para quem cria, para quem participa, para a sociedade e para a natureza.

O The Town Plural

Foi com essa visão que assumimos a responsabilidade de ser a consultoria do The Town Plural, desenhando a narrativa que conectou pertencimento a estratégia do negócio: #RitmoDoPertencimento.

E a atuação aconteceu em diferentes frentes: stand com ativações e bate papos no formato talk show, conteúdo digital e marketing de influência (com foco em criadores de conteúdo diversos).

Foi um projeto a quatro mãos com o time de Pluralidade da Rock World. E ao lado de outras organizações potentes, como Negritudes (Globo), Alma Preta, Gerando Falcões, QoT, Ezatamentchy e Vedere AG , compondo um ecossistema potente de pluralidade dentro do festival.

Um dos maiores destaques foi o conteúdo multiplataforma. Levamos nossa narrativa no #RitmoDoPertencimento com formatos originais apresentados por Giovanna Heliodoro (TransPreta) e a drag Suzaninha, que trouxeram leveza e representatividade.

Os conteúdos foram replicados nos canais da Nohs Somos, da Alma Preta, Quebrando o Tabu, Ezatamentchy, Vedere.ag e nos perfis de dezenas de influenciadores. O resultado: 8,1 milhões de alcance.

A proposta foi dar voz e espaço para comunidades negras, LGBTI+, periféricas e de pessoas com deficiência em quadros interativos conectados às linguagens das redes sociais: Top 1 momento que virou sentimento, Top 1 melodia que marcou o dia, melhor look do dia, verdadeiro ou falso com o público, duelo de melhor falsete, entre outros. O digital potencializou o festival para muito além da Cidade da Música.

Formato engajador

Na stand do The Town Plural, o pertencimento foi traduzido em conversas abertas com profundidade e com um formato de entretenimento, com nomes como Thelminha, Sarah Aline, e Maryza Macedo (gestora de conteúdo Globo).

A parceria com o foi essencial para dar forma à ativação. Como disse o mediador Ronald Pessanha, líder do Negritudes: “A ideia de levar o tema pluralidade de um jeito leve, com entretenimento, foi fundamental para impactarmos mais pessoas para pensarmos juntos como ter uma sociedade melhor.”

Essa fusão entre educação e entretenimento é o que chamamos de edutainment: quando o aprendizado acontece porque o público está engajado pela experiência — seja em um festival, em um game ou em uma imersão num museu.

Experiência como educação

Como reforça Ágatha Áreas, fundadora da Provoke e parceira estratégica do Learning Journey: “O entretenimento é uma das formas mais poderosas de aprendizagem, porque conecta emoção e memória.”

Os talks do The Town Plural não foram debates formais nem palestras longas. Foram pensadas como conversas rápidas, interativas e leves, misturando expressões culturais: humor, música, poesia e reflexões profundas.

O público podia circular livremente pelo festival, mas escolhia parar para assistir porque o conteúdo tinha ritmo — feito sob medida para prender a atenção mesmo entre os intervalos de grandes shows.

Esse desenho tornou o espaço um verdadeiro ponto de encontro, onde a pluralidade gerou aprendizado através do entretenimento, de forma natural. E é justamente esse o sentido de edutainment: o pertencimento não nasce de discursos frios, mas de experiências vividas — que tocam, engajam e transformam.

Influenciadores: pertencimento em prática

O projeto contou ainda com 65 influenciadores, liderados por Jo Raposo, como Kananda (a deusa cientista), Gabriel Bernardu, Pequena Lo e Tet Trem, que ajudaram a ampliar a mensagem para diferentes comunidades.

Esse impacto foi percebido também pelas marcas parceiras. Como disse Giuliana Tosi, líder responsável pela ativação do iFood: “Eu achei o projeto muito importante e, de fato, eleva a experiência do festival. Foi um prazer receber a Barbit, Ray Neon, a cantora Day Limns no Baile do iFood no The Town! Pra gente, só é divertido e relevante se for pra todo mundo.”

Zeitgeist, mercado atual e modelo de negócio

Vale lembrar que o zeitgeist atual coloca a diversidade como um dos maiores desafios globais. Quando estive na CNBC, em maio deste ano, comentei sobre o mercado global mais conservador, principalmente pelas novas diretrizes do governo norte-americano. Também ressaltei que estamos no Brasil, com legislações muito diferentes (contra homo-transfobia, racismo, assédio, cotas pcd, saúde mental..) e atualmente com um governo mais progressista.

Com certeza há modelos de negócio que estão mais distantes de uma perspectiva vanguardista em relação à pluralidade. O que não é o caso do The Town e dos festivais da Rock in World, que têm como uma de suas principais personas a geração Z — e no Brasil, 1/3 dessa geração se identifica como parte da comunidade LGBTI+(Kantar, 2022). Ignorar esse público seria, além de um erro cultural, um equívoco estratégico.

Pertencimento, comunidade e negócio

Pertencimento se constrói por experiências que unem entretenimento e diversidade. E, quando isso acontece, o resultado não é apenas reputacional.

Estudos globais reforçam:

  • 75% dos consumidores levam diversidade em consideração na hora de escolher uma marca (Kantar, 2022).
  • Campanhas inclusivas chegam a gerar 16% mais receita (Deloitte, 2023).
  • Empresas com comunidades fortes registram até 35% mais inovação e 25% mais retenção de talentos (DEI Lighthouse, 2025).
  • O ROI é cultural, é humano e também financeiro.

Conclusão

Pertencimento não é custo: é investimento. E investimento que se paga em engajamento, inovação e sustentabilidade. O The Town mostrou isso em escala inédita para um festival brasileiro.

“Ritmo é consistência. Quanto mais representativos formos, mais conectados com o nosso negócio e a nossa persona estamos, faz parte da nossa estratégia.”, ressalta o próprio Luis Justo, CEO Rock in World.

Se pertencimento gera comunidade, e comunidade gera negócio, o próximo passo para as empresas é entender que não há contradição entre impacto e resultado. O que há é oportunidade.

E talvez o verdadeiro desafio esteja em criar projetos que, além de dar retorno, regenerem relações, fortaleçam vínculos e deixem marcas positivas — não só no mercado, mas na vida das pessoas.