Ainda vale a pena ficar — ou voltar — para a publicidade?
Entre crise de talentos e lógica predatória do BV, o futuro das agências depende de coragem para redesenhar o jogo
Nos últimos anos, observei de perto um movimento silencioso — mas profundo — de afastamento das agências. Profissionais talentosos, criativos, apaixonados, que há uma década sonhavam em fazer carreira nesse ecossistema, hoje abandonam suas cadeiras, mudam de lado, mudam de setor ou simplesmente desistem.
A maioria não sai por falta de competência. Sai por falta de sentido. Sai por cansaço. Por desilusão. Por não se enxergar mais naquele formato.
Fui buscar alguns números para validar esse contexto que venho observando nesses últimos anos.
No ensino superior, a evasão é brutal: mais da metade dos alunos desiste antes de se formar (INEP/Semesp). Em cursos como Publicidade e Propaganda, o presencial perdeu força — queda de quase 30% em matrículas na última década — enquanto o EaD explodiu. O funil de novos talentos, portanto, é cada vez mais estreito.
E para quem já está nas agências, o cenário também pesa: gestão de equipes e saúde mental estão entre os maiores desafios, e os afastamentos por burnout cresceram 1.000% em dez anos no Brasil. Some a isso a migração de profissionais para estruturas in-house de anunciantes, e a sensação de esvaziamento deixa de ser percepção para se tornar fato.
Algumas pessoas já me ouviram falar essa frase: Se dez trens passassem na minha frente com um letreiro escrito “agência” e com pote de ouro, eu não embarcaria em nenhum.
Até que uma combinação rara de propósito, liberdade e modelo de negócio me fez topar o desafio de liderar uma área de Growth de uma agência especializada em OOH com presença Global.
Mas essa experiência também me acendeu um alerta.
A conta não fecha — e a responsabilidade é coletiva
Antes da pandemia, em um grande evento do mercado, ouvi três CEOs de agências conversando com uma franqueza rara. Assumiam a própria responsabilidade na construção de um mercado sangrento, pautado por disputas predatórias, engessado por um modelo financeiro que premia volume e esvazia propósito.
Achei brilhante. Corajoso. Mas… de lá pra cá, só piorou.
E não podemos mais fingir que o problema é só das agências.
Tenho escutado, nesses primeiros meses como CGO, frases que ilustram o ponto de vista dos anunciantes nesse modelo: “Basicamente todo o BV negociado pela minha agência é usado como desconto no fee que eu pago.”
Essa lógica corrói a relação. Porque o que era para ser incentivo vira moeda de troca. E o que era para ser confiança vira planilha.
Só lembrando um pouco sobre o surgimento do BV…
O Incentivo surgiu com algumas finalidades: contratar pessoas, ferramentas, para que o plano estratégico evoluísse, em prol dos anunciantes atendidos, nasceu com esse propósito, não como um cashback, mas para estruturar a área de mídia. Com tempo, foi Distorcido e virou moeda de troca. Hoje em dia exerce papel fundamental de onde o mercado está.
Não se trata de apontar culpados — mas de assumir, como mercado, que todos os lados contribuíram para essa distorção. E que só com conversas maduras e corajosas vamos conseguir redesenhar essa equação.
A ilusão do atendimento white label
Desde o início do ano, diversas agências nos procuraram querendo nos contratar como braço white label. No papel, parece parceria. Na prática, já vi casos onde faríamos 95% do trabalho por um quarto da remuneração.
Não é só sobre a conta fechar ou não. É sobre o risco de corroer o conceito de uma agência especializada. E isso, para mim, é inegociável.
Enquanto profissionais pouco experientes em OOH aceitam esse modelo e até agências que se dizem especializadas, todos acabamos contribuindo para precarizar o setor que estamos tentando valorizar.
É o famoso “parece esperto, mas é raso”.
SPEs (Sociedade de Propósito Específico): e se cada relação fosse um negócio?
Num almoço recente, compartilhei esse contexto com uma pessoa que já teve agência, já vendeu agência e hoje segue empreendendo. Ela ouviu tudo com atenção e respondeu:
“Lá atrás, pensei que cada nova relação com um cliente poderia ser uma SPE. Um negócio em si. Onde todo mundo ganhasse.”
Essa ideia simples me parece hoje mais revolucionária do que nunca.
Porque nos convida a parar de pensar em fee, BV, horas/homem — e começar a pensar em construção de valor real. Negócio a negócio. Com governança, transparência, resultado e confiança.
Mais do que um novo modelo de remuneração, talvez seja um novo contrato de intenção. Talvez o ponto de partida seja simples: lembrar por que a gente entrou nessa.
Na maioria das vezes, foi pelo brilho no olho. Pela sensação de estar criando algo que fazia sentido, que emocionava, que inspirava. Por acreditar que a comunicação era mais do que job, entrega e escopo.
E talvez seja isso que a gente precise resgatar agora.
Não se trata de romantizar um passado idealizado — mas de reconhecer que, se o modelo atual está esvaziando as relações, a cultura e o desejo, é hora de redesenhar. Juntos.
Com mais escuta. Com novas propostas. Com coragem para colocar o valor — e não só o custo — no centro da conversa.
Se a gente conseguir fazer isso, talvez esse mercado ainda seja um lugar onde vale a pena ficar. Ou, quem sabe, voltar.