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Opinião

Crenças e dados

A ciência olha para a frente, compila e analisa dados metodicamente, de forma a criar padrões, compreender os fenômenos e até mesmo interferir neles. A crença busca no passado, e até no sobrenatural, uma lógica que possa explicar as coisas que acontecem no mundo terreno e imediato


19 de novembro de 2018 - 12h07

Crédito: Vertigo3d/iStock

Novembro de 1519. O sanguinário conquistador Hernán Cortés e uma pequena tropa de soldados, mais 16 cavalos, chegam aos limites da capital asteca, Tenochtitlán, hoje Cidade do México. Montezuma, o imperador dos astecas, é convencido por seus sábios de que Cortés é a reencarnação de Quetzalcoátl, deus asteca, que teria voltado para se vingar.

Montezuma pôs-se aos seus pés e declarou- se fiel à divindade. Mas adivinha! Foi pegadinha do Cortés! No dia seguinte, o pequeno contingente espanhol aprisionou o imperador, matando-o mais tarde, e, um ano e meio depois, o Império Asteca tinha simplesmente desaparecido.

Os fodas dos astecas! Os caras que tinham astronomia, forjavam metais, construíam cada templo incrível, que eram avançados em matemática, tinham achado que Cortés era deus! Corta.

Em cerca de 1551, na costa do atual Estado de São Paulo, o mercenário alemão Hans Staden, recolhido de um naufrágio pelos portugueses de São Vicente e mais tarde alocado como vigia nas imediações de onde hoje fica Bertioga, é capturado pelos índios tupinambás que, além de muito belicosos, tinham o incômodo hábito de serem canibais.

Durante meses, Staden foi mantido prisioneiro, em jaula de bambu, apanhando periodicamente para “amaciar a carne”, para o dia do banquete, onde ele seria o prato principal.

Mas o europeu tinha certa erudição e convenceu os tupinambás a esperarem até certa noite, onde os deuses fariam a lua tingir-se de preto, e este seria o sinal de que ele tinha conexões muito importantes no comando deste mundo.

E de fato aconteceu, e os índios o saudaram e o mantiveram vivo, com certo conforto, até o dia em que ele avistou um navio francês e conseguiu remar até ele, voltando para a Europa e escrevendo seus relatos. Os tupinambás já tinham visto um eclipse, mas não tinham o dado que Staden tinha: eclipses tinham datas certas para acontecer.

Essas duas situações emblemáticas e aparentemente verídicas, ocorridas com apenas 32 anos de diferença, um pum na atmosfera que é a história, muito ilustram os modelos de conquista e dominação utilizados ao longo de toda a trajetória humana no planeta.

A ciência olha para a frente, compila e analisa dados metodicamente, de forma a criar padrões, compreender os fenômenos e até mesmo interferir neles. A crença busca no passado, e até no sobrenatural, uma lógica que possa explicar as coisas que acontecem no mundo terreno e imediato.

Muitas vezes, nos vemos na encruzilhada entre os dados e as crenças nas situações mais cotidianas. Por vezes, um dogma pode até mesmo ser capaz de nos salvar de um dado falso, mas a verdade é que dados corretos, bem interpretados e utilizados com senso de finalidade, podem fornecer uma vantagem momentânea suficiente para uma vitória.

Os astecas foram dizimados por causa de uma crença. Os tupinambás, ludibriados por um dado.

Meu único conselho é: cheque bem suas crenças, todo dia. E cheque melhor ainda os dados dos outros.

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